Pular para o conteúdo principal

[41]

O arrogante convence, pois consegue transmitir a sua convicção pessoal. Seu brado ecoa nas mentes alheias como uma certeza inabalável. Imagino que nestas mentes a força da locução é confundida com a justificação. Nada mais distante da verdade! Estou, contudo, sendo injusto, nem todo arrogante convence pela arrogância. Muitos, de fato, sabem e são capazes de transmitir razões junto com as suas convicções. Palmas para eles. Outros, no entanto, confiam na sua força locutora e se arrogam o direito de convencer apenas no grito. É assim! Não seja idiota! O xingamento melindra o interlocutor não-arrogante que, se não aceita de imediato a convicção do arrogante, também não a contesta. O não-arrogante teme parecer imbecil. Nisto, o arrogante tira vantagem, ele não teme errar, pois, na sua visão de si, ele não erra. Um interlocutor que se deixa melindrar pelo brado alheio e teme parecer imbecil é mesmo um imbecil.

O interlocutor ideal não se deixa levar pela percepção que a plateia tem do seu comportamento argumentativo, isto é, ele até pode mudar as suas estratégias em função desta percepção, mas ele não pode mudar a sua crença, não pode crer ou descrer por medo. Para o intelocutor ideal, só interessa a verdade. Esse interlocutor praticamente ausente nas academias não perde tempo com arrogâncias fúteis, nem trava embates com arrogantes. Ele não quer convencer, nem ser convencido, ele só quer descobrir a verdade. Pouco importa se você sabe o que afirma, mas sim se aquilo que você afirma pode ser conhecido. Ele pede por razões acessíveis. Hegel disse isso e aquilo. Foda-se se Hegel disse isso e aquilo, o que não significa que eu duvide da competência de Hegel. O ponto é que se Hegel disse isso e aquilo, então ele deve ter tido boas razões para dizer isso e aquilo, são essas razões que eu demando. Hegel nem precisa aparecer nessa história, nessa contenda. Ele, a pessoa, é um acessório dispensável, um cosmético argumentativo, uma estratégia retórica de convencimento. Mais imbecil que o interlocutor que se convence pelo medo é aquele que acha que vai me convencer gritando arrogantemente.

Comentários

Eros disse…
Sim, não lhe interessa se impor. Como bem dito, ele não busca o poder ou exercer o poder, quando na posse do conhecimento, mas busca apenas o conhecimento pelo seu interesse na verdade.

Postagens mais visitadas deste blog

[102] Relativismo e Irracionalismo

Irracionalismo é a tese de que os nossos julgamentos são arbitrários. O irracionalismo pode aplicar-se apenas a um setor do conhecimento humano. Por exemplo, podemos ser irracionalistas morais. Assim, julgamentos morais sobre como agir, o que fazer, o que é certo e errado são arbitrários, não temos uma razão para eles, eles não se fundam em nada que possa legitimá-los diante dos outros. Podem ser fomentados por nossas emoções ou desejos, mas nada disso tira a sua arbitrariedade diante da razão. Chegaríamos ao irracionalismo moral se tivéssemos razões para pensar que não há nada na razão que pudesse amparar julgamentos morais. Isto é, dado um dilema moral do tipo "devo fazer X ou ~X", não há ao que apelar racionalmente para decidir a questão. Donde se seque que, qualquer decisão que você tomar, seja a favor de X, seja de ~X, será arbitrária. Como poderia a razão ser tão indiferente à moralidade? Primeiro vejamos o que conferiria autoridade racional a um julgamento moral, pois

[197] Breve introdução à tese da mente estendida

A tese da mente estendida é distinta e não se confunde com o externismo acerca dos conteúdos mentais. Nesta breve introdução, apresento em linhas gerais o externismo acerca dos conteúdos mentais para, em seguida, contrastá-lo com a tese da mente estendida. Identifico e apresento, então, os principais comprometimentos da tese da mente estendida. A tese do externismo acerca dos conteúdos mentais afirma que as relações causais que temos com o ambiente determinam, de alguma forma, o conteúdo dos nossos estados mentais, ou seja, aquilo que percebemos, ou aquilo acerca do qual pensamos algo, ou aquilo que desejamos etc. depende dos objetos com os quais interagimos causalmente. Um argumento comum em favor dessa tese é inspirado no argumento clássico de Putnam para o externismo semântico[1]. Imaginemos um planeta muito semelhante ao nosso, praticamente gêmeo nas aparências. Ele é abundante em um líquido muito semelhante à água, povoado com seres inteligentes como nós e que usam esse lí

[200] A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação, segundo Reichenbach

A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação é normalmente apresentada como marcando a diferença entre, por um lado, os processos de pensamento, teste e experimentação que de fato ocorreram em um laboratório ou em um ambiente de pesquisa e que levaram ou contribuíram para alguma descoberta científica e, de outro, os processos de justificação e validação dessa descoberta. Haveria, portanto, uma clara diferença entre descrever como cientistas chegaram a fazer certas alegações científicas, o que seria uma tarefa para as ciências empíricas, como a sociologia, a psicologia e a antropologia da ciência, e justificar essas alegações, o que seria uma tarefa para a epistemologia, uma disciplina normativa e não-empírica. Essa distinção é corriqueira em debates acerca do escopo da filosofia da ciência e teria sido explicitada inicialmente por Reichenbach. Contudo, quando examinamos a maneira como ele circunscreveu as tarefas da epistemologia, notamos que alguns elemento