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Vejamos o paradoxo da liberdade.

Para que uma ação seja livre, é preciso que:

1) Ela seja o resultado de uma deliberação. Um evento mental consciente está na sua origem. Além disso, é necessário que este evento mental não seja causado por um evento anterior. Neste caso, a ação seria determinada pelo evento antecedente ao evento mental e, portanto, não seria livre. Deste modo, uma ação livre precisa ter na sua base um evento mental espontâneo.

2) Ela precisa ser realmente causada pelo evento mental. A decisão tomanda conscientemente deve determinar causalmente a ocorrência da ação.

Posta esta definição de uma ação livre, é fácil perceber que tanto o determinismo quanto o seu contrário, isto é, a absoluta aleatoriedade dos eventos impossibilitam a existência de ações livres.

Se o mundo é determinista, isto é, se para todo evento há um outro evento que lhe antecede e determina, então não há eventos espontâneos. Ou seja, a condição "1)" para que uma ação seja livre não é respeitada.

Se o mundo é aleatório, isto é, se nenhum evento é determinado por outros eventos, então não há transmissão causal. Não havendo transmissão causal, tampouco faz sentido dizer que uma ação foi causada por uma deliberação ou decisão. Ela não é, portanto, uma ação livre. Um braço que se movimenta ao acaso não constitui uma ação livre.

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