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Mostrando postagens de 2014

[189] A ética da crença

"Debunking is fine, but it needs to be accompanied with a cultural sensitivity (as Kahan puts it) for the doubting parents, treating them not as idiots but as people whose concerns and fears are taken seriously" (Helen de Cruz, " How to promote the safety and effectiveness of vaccines ") A Helen está coberta de razão. Pensando na eficácia, confrontar o negacionista com a acusação de que ele é idiota ou irresponsável na busca por evidência, na prática, só fará com que ele se apegue ainda mais a sua posição. Especulo que por trás disso haja algum daqueles mecanismos sutis da vaidade. Eu confesso que frequentemente fraquejo e não consigo ter a paciência recomendada pela Helen, talvez por ser vítima também de algum outro desses mecanismos da vaidade. Mas não só, há indignação também na minha intolerância. De qualquer modo, lendo as ponderações da Helen, fiquei com a pergunta: qual a melhor estratégia não para superar essa ou aquela negação absurda (vacinas em geral nã

[188] Valores e o ideal de ciência

" I first met questions of philosophy when I came up against the Soviet ideology under Stalin which denied justification to the pursuit of science...under socialism the conception of science pursued for its own sake would disappear, for the interests of scientists would spontaneously turn to problems of the current Five-Year Plan " (Michael Polanyi, The Tacit Dimension , p. 3). É bem conhecido o caso de banimento de toda uma disciplina, a genética mendeliana, na ex-União Soviética durante o governo de Stalin.  A disciplina foi acusada de ser "reacionária" e os seus pesquisadores foram convidados a proclamar publicamente seus erros por desenvolvê-la. Contudo, a interferência indesejada na ciência não parte apenas do governo, ela pode partir também de empresas que financiam pesquisas, manipulando direta ou indiretamente os seus resultados para que fiquem mais alinhados com os seus interesses de mercado. É igualmente bem conhecido o caso de manipulação de pesquisa

[187] Aquela opinião que não quer se calar é uma que provavelmente deve se calar

Aquela opinião para a qual você não tem qualquer evidência e que também não é tão óbvia a ponto de ser ininteligível manifestá-la é uma que você também não deve normalmente* manifestar, embora por uma razão distinta. Ou você acha que o seu ouvinte tem alguma razão para aceitá-la, ou acha que não tem. Se acha que tem e como você mesmo não tem nenhuma evidência ou razão para esta opinião, então a única razão para que o seu ouvinte a aceite é que você a aceita. Ou seja, você se representa como alguém muito especial, cujas opiniões devem ser aceitas apenas porque você, você em especial, as aceita. Se você acha que o seu ouvinte não tem alguma razão para aceitar a sua opinião, então por que a manifesta? Por que não a guarda para si? A não ser que seja uma matéria de gosto ou não estejamos em absoluto interessados no que é o caso, o que normalmente* não é ou não deveria ser o caso, não é apropriado manifestar como sendo o caso o que não podemos minimamente garantir como sendo o caso. O outro

[186] A tese da simetria

A tese da simetria, defendida pelo Programa Forte na Sociologia do Conhecimento, é geralmente vista com maus olhos pela filosofia da ciência. Não sem razão. Conforme ela é lida, considerações normativas sobre o conhecimento parecem ser completamente dispensáveis e despropositadas. Lida assim, a sociologia do conhecimento seria um substituto para a filosofia da ciência. Porém, como irei sugerir, a tese da simetria não precisa ser lida como tendo essa consequência. O que é a tese da simetria? Grosseiramente, a tese afirma que explicações causais para crenças verdadeiras não evocam tipos de causas distintas daquelas que geralmente são evocadas para explicar crenças falsas. Mais fundamentalmente ainda, a tese sustenta que as explicações causais para as crenças que tomamos como sendo conhecimento não devem fazer referência à verdade ou à falsidade (ainda que suposta) da crença, a razões a favor ou contra essas crenças, nem mesmo à evidência potencialmente disponível a favor ou contra

[185] Do peso de ser livre

“Queria liberdade, mais liberdade que tinha. Mas logo pensei que se me visse absolutamente livre dos meus compromissos, livre do meu viver, livre disso tudo que me adere forçosamente à vida, eu teria de defrontar a cada instante com a pergunta: ‘por que viver?’. Então aquiesci, mas não sem revolta e desprezo por isso que somos”.

[184] Ética na discussão

Há uma razão muito simples para não podermos, em uma discussão entre pares, introduzir como premissa uma afirmação que o nosso interlocutor não aceita, a não ser, obviamente, que a fundamentemos em outras afirmações que ele aceita. Mas neste caso, ele aceitará a afirmação ou, pelo menos, se comunga as mesmas regras de inferência, deveria aceitá-la. Se ele não aceita, não podemos de qualquer modo prosseguir a discussão como se ele a aceitasse. A razão para isso é moral. Ao fazê-lo, deixamos de tratar o interlocutor como um par; passamos a representá-lo como alguém cognitivamente inferior ou como tendo menos autoridade epistêmica do que nós e rompemos, assim, com uma assunção mútua, aceita (geralmente implicitamente) no início da discussão, de que éramos e, portanto, nos trataríamos como pares intelectuais. Somente alguém cognitivamente inferior ou de menor autoridade epistêmica se encontra na situação de ter a obrigação epistêmica de aceitar de alguém cognitivamente superior e de maior