"I first met questions of philosophy when I came up against the Soviet ideology under Stalin which denied justification to the pursuit of science...under socialism the conception of science pursued for its own sake would disappear, for the interests of scientists would spontaneously turn to problems of the current Five-Year Plan" (Michael Polanyi, The Tacit Dimension, p. 3).
É bem conhecido o caso de banimento de toda uma disciplina, a genética mendeliana, na ex-União Soviética durante o governo de Stalin. A disciplina foi acusada de ser "reacionária" e os seus pesquisadores foram convidados a proclamar publicamente seus erros por desenvolvê-la. Contudo, a interferência indesejada na ciência não parte apenas do governo, ela pode partir também de empresas que financiam pesquisas, manipulando direta ou indiretamente os seus resultados para que fiquem mais alinhados com os seus interesses de mercado. É igualmente bem conhecido o caso de manipulação de pesquisa científica pela indústria de tabaco nos EUA nas décadas de 50 e 60.
Mas o problema não é tanto que haja pressões externas sobre a ciência, mas ao que elas estão servindo e como e sobre quais etapas da atividade científica essas pressões incidem. Que elas sejam o reflexo apenas de interesses do Partido Único ou de um punhado de empresas privadas deixa a ciência à mercê do enviesamento e da sua completa instrumentalização para fins outros que a busca da verdade e o bem comum. A resposta adequada para nos prevenir destes riscos não é a busca do ideal de ciência livre de valores, protegida de qualquer pressão externa. Em virtude da imersão da ciência na sociedade e da autoridade epistêmica que ela usufrui em decisões políticas e na elaboração de políticas públicas, é razoável que a ciência seja sensível ao interesse social. Alguns sustentam que é mesmo inevitável e desejável [1], [2]. Mas se aceitamos este ponto, que a ciência não deve ser pensada apenas como um fim em si mesmo, mas também como um meio suficientemente seguro para a realização do nosso projeto ético e social, então a reflexão sobre como a ciência deve ser sensível ao interesse social é urgente. E ainda muito mais urgente é a reflexão sobre o ideal de sociedade na qual a ciência deverá estar imersa. Na verdade, está em aberto tanto a questão sobre (i) qual deve ser o(s) objetivo(s) da ciência quanto (ii) quem e como deve decidi-lo(s).
Felizmente, a reflexão sobre o papel de valores não-epistêmicos na ciência, depois de muito negligenciada pela filosofia da ciência anglófona, voltou à agenda da disciplina. Abaixo, cito algumas das obras responsáveis por isso. Também é notável o espaço que o tema recebe na nova introdução à filosofia da ciência de Barker e Kitcher [3].
[1] Douglas, Heather. Science, Policy, and the Value-Free Ideal. University of Pittsburgh Press, 2009.
[2] Kitcher, Philip. Science in a Democratic Society. Prometheus Books, 2011.
[3] Barker, Gillian & Kitcher, Philip. Philosophy of Science: a new introduction. Oxford University Press, 2014.
É bem conhecido o caso de banimento de toda uma disciplina, a genética mendeliana, na ex-União Soviética durante o governo de Stalin. A disciplina foi acusada de ser "reacionária" e os seus pesquisadores foram convidados a proclamar publicamente seus erros por desenvolvê-la. Contudo, a interferência indesejada na ciência não parte apenas do governo, ela pode partir também de empresas que financiam pesquisas, manipulando direta ou indiretamente os seus resultados para que fiquem mais alinhados com os seus interesses de mercado. É igualmente bem conhecido o caso de manipulação de pesquisa científica pela indústria de tabaco nos EUA nas décadas de 50 e 60.
Mas o problema não é tanto que haja pressões externas sobre a ciência, mas ao que elas estão servindo e como e sobre quais etapas da atividade científica essas pressões incidem. Que elas sejam o reflexo apenas de interesses do Partido Único ou de um punhado de empresas privadas deixa a ciência à mercê do enviesamento e da sua completa instrumentalização para fins outros que a busca da verdade e o bem comum. A resposta adequada para nos prevenir destes riscos não é a busca do ideal de ciência livre de valores, protegida de qualquer pressão externa. Em virtude da imersão da ciência na sociedade e da autoridade epistêmica que ela usufrui em decisões políticas e na elaboração de políticas públicas, é razoável que a ciência seja sensível ao interesse social. Alguns sustentam que é mesmo inevitável e desejável [1], [2]. Mas se aceitamos este ponto, que a ciência não deve ser pensada apenas como um fim em si mesmo, mas também como um meio suficientemente seguro para a realização do nosso projeto ético e social, então a reflexão sobre como a ciência deve ser sensível ao interesse social é urgente. E ainda muito mais urgente é a reflexão sobre o ideal de sociedade na qual a ciência deverá estar imersa. Na verdade, está em aberto tanto a questão sobre (i) qual deve ser o(s) objetivo(s) da ciência quanto (ii) quem e como deve decidi-lo(s).
Felizmente, a reflexão sobre o papel de valores não-epistêmicos na ciência, depois de muito negligenciada pela filosofia da ciência anglófona, voltou à agenda da disciplina. Abaixo, cito algumas das obras responsáveis por isso. Também é notável o espaço que o tema recebe na nova introdução à filosofia da ciência de Barker e Kitcher [3].
[1] Douglas, Heather. Science, Policy, and the Value-Free Ideal. University of Pittsburgh Press, 2009.
[2] Kitcher, Philip. Science in a Democratic Society. Prometheus Books, 2011.
[3] Barker, Gillian & Kitcher, Philip. Philosophy of Science: a new introduction. Oxford University Press, 2014.
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