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Mostrando postagens de junho, 2005

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Quando acaba a esperança, nos transformamos em bestas. Nesta condição, o ser humano deixa de planejar, o futuro não mais lhe interessa. Suas decisões passam a se basear apenas nos desejos imediatos. Sua racionalidade estratégia permanece, mas ela só é empregada para a obtenção de fins de curto prazo. Não ter esperança implica que cada instante seja percebido como a totalidade do tempo. O sujeito se fragmenta. Vira besta, amoral do seu ponto de vista, imoral, do nosso.

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O que se pode perceber aqui [13] é uma certa relativização do teste de Turing. Para os critérios da época, a Turka passou no teste. Somente uma mente humana poderia jogar xadrez. Se a Turka jogava, então ela refletia, em um algum nível, a mente humana. Talvez alguns, na época, estivessem até mesmo dispostos a atribuir consciência a ela. Temos aqui, hoje podemos dizer, um caso de dupla ignorância. Ignorância sobre em que consiste a atividade de jogar xadrez e ignorância sobre o funcionamento da mente. Não se sabia na época que a atividade de jogar xadrez poderia ser reduzida a uma função computável, isto é, uma função cuja entrada seria a configuração atual do tabuleiro e a saída uma jogada válida localmente ótima (uma solução globalmente ótima não tem solução em tempo polinominal). Ademais, desconheciam na época maiores detalhes do funcionamento da mente, o que ela poderia ou não fazer sem consciência. Neste cenário, era natural inferir que um ente capaz de jogar xadrez tinha caracterí

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Searle é mundialmente conhecido, por filósofos e cientistas, em razão da experiência de pensamento do quarto chinês . Nada de novo nesta experiência. Em 1769, Wolfgang von Kempelen já havia divertido as cortes europeias com algo similar. O engenheiro austríaco inventou a Turka , uma máquina autônoma capaz de jogar xadrez. Por muito anos, esta engenhoca provocou a curiosidade das pessoas. Jornais do mundo todo convidavam cientistas para que explicassem o seu funcionamento. Kempelen, evidentemente, não revelava as plantas do seu projeto. E a Turka era imbatível. A maioria dos enxadristas sucumbia diante dela. Décadas depois, soube-se da verdade. Dentro da Turka, havia um ex-combatente polonês cujas pernas tinham sido amputadas. A parte externa da engenhoca era cheia de mecanismos e roldanas que mechiam para lá e para cá dando a impressão de que a máquina realmente computava e jogava. Mas era Worousky, este mestre polonês, quem realizava as jogadas.

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Modelagem do cérebro por meio de grafos. Vértices: neurônios. Arestas: ligação sináptica entre dois neurônios. O grafo do cérebro é conectado? Se temos n neurônios, então, no mínimo, precisamos ter n-1 ligações sinápticas. Neste caso, ele seria fracamente conectado. Além disso, o percurso entre um neurônio e outro, em muitas situações, seria extremamente longo, o que implicaria em um baixo desempenho tanto na transmissão da informação, quanto na computação que depende dela. Qual seria o ponto ótimo do número de ligações sinápticas, de tal forma que o ganho de desempenho com esta quantidade de ligações compensasse o custo de se criar e mantê-las?

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Uma pessoa pode facilmente adquirir a competência para desenhar uma estrela de cinco pontas. No entanto, dificilmente esta pessoa conseguirá, sem o auxílio de régua e compasso, desenhar sucessivamente 10 estrelas idênticas. O sistema motor não tem esse grau elevado de efiência métrica. Este fato sugere também que talvez a representação mnemônica da estrela não tenha uma estrutura imagética. O que a pessoa retém são as relações topográficas. Se isto for verdade, então a lembrança de uma estrela não envolve apenas uma simples apresentação de uma imagem gravada; envolve sim a capacidade de imaginar, isto é, de construir uma imagem a partir das relações topográficas retidas. Lembrar é criar.

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Tropos de Agrippa, receita de bolo para minar pretensões alheias de conhecimento. 1. Tropo da discrepância -> Sobre qualquer assunto, sempre se pode discordar. Se A diz p, sempre haverá um B que diga não-p. 2. Tropo da relatividade -> relativização das afirmações a um ponto de referência. p é verdadiero para você. p é verdadeiro na sua cultura etc. Estes dois tropos colocam em questão a verdade da afirmação do nosso interlocutor, obrigando-o a fornecer justificativas ulteriores para a verdade do que diz. É isso que o cético quer. Os próximos tropos visam mostrar que a busca por estas justificativas está fadada ao insucesso. 3.Tropo da infinidade -> para cada justificação, o interlocutor é convidado a dar uma justificação para esta justificação e assim ad infinitum. 4.Tropo da Assunção-> Em algum lugar na série de justificações, o interlocutor se abstém dogmaticamente de fornecer novas justificações. Ele faz uma assunção, toma, sem menos, uma opinião como verdadeira. 5.Tropo

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Hábitos de pensamento são esculpidos pela cultura? Nisbett selecionou dois grupos de pessoas, um composto por americanos e outro por chineses. Ela apresenteu a esses dois grupos, simultaneamente, o resultado de duas pesquisas, ambas inventadas, mas este fato não era conhecido pelos indivíduos dos grupos: uma pesquisa afirmava que as pessoas que viveram mais que uma determinada idade tinham comido peixe e aves e uma segunda dizia que alimentar-se apenas de peixes e de aves era prejudicial. Diante das duas pesquisas em tensão, os americanos tenderam a radicalizar a sua inclinação em favor de uma delas. Os que achavam que a primeira era correta, diante da oposição da segunda, inclinavam-se com mais intensidade ainda em favor da primeira e o mesmo ocorria com aqueles que se inclinaram em favor da segunda. Já os chineses tiverem, em geral, um comportamento bem diferenciado. A maioria deles disse que nem a primeira, nem a segunda pesquisa estariam completamente corretas, mas que a verdade es

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"É milhões de vezes mais provável morrer de depressão do que de um remédio ou droga anti-depressivo" (Iván Izquierdo). Contudo, mesmo o depressivo ciente deste fato não pode ser considerado irracional se não procura ajuda médica. Visto que a morte lhe soa como um objetivo muito mais interessante que a vida, é muito mais sensato não procurar ajuda alguma.

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A relação da quantidade de sinapses com a inteligência (QI) segue uma curva de Gauss. Sinapses em demasia sobrecarregam os recursos energéticos do cérebro, dificultando a execução de tarefas cognitivas particulares que demandam a concentração destes recursos em áreas específicas. Sinapses de menos, por outro lado, impossibilitam a execução satisfatória dessas tarefas. O ponto ótimo se encontra em um meio termo. Muitos fenômenos da natureza têm uma distribuição normal. A seleção natural é um mecanismo que tende a criar fenômenos naturais com esta distribuição.

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A conclusão, discutida em [3] e [4] , de que as pessoas, em geral, não pensam logicamente é muito forçada. Ainda mais se "logicamente" é tomada na acepção de "ser racional". A racionalidade não se resume à capacidade de fazer inferências. Mais importante que o próprio ato de inferir é a realização de inferências adequadas à situação em que o indivíduo se encontra. Ou seja, não é suficiente, para um comportamento racional, que a inferência seja formalmente correta, é necessário também que ela seja relevante. Em alguns casos, a relevância pode ser um indício maior de racionalidade que a correção formal da inferência. A consideração da relevância nos permite perceber que raciocínios da forma Se A, então B B ---------------- Logo A. embora constituam falácias do ponto de vista formal, não devem ser encarados como encarnando um comportamento ilógico ou irracional, em situações cotidianas, contextualizadas. Como comentei em 3, a falácia acima pode ser razoavelmente explic

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O experimento referido em [3] foi formulado pelo psicólogo Peter Wason e ficou conhecido com o teste de seleção de Wason. O teste é simples. 4 cartas são dispostas com suas faces voltadas para cima. Essas cartas podem ter letras ou números em suas faces e contra-faces. Um exemplo seria a sequinte seqüência: A B 2 1 Pede-se, então, aos participantes do experimento, que digam qual o número mínimo de cartas que eles devem virar para verificar o enunciado: se a carta tem uma vogal na sua face, então o elemento na face oposta é par. O resultado surpreende é que aproximadamente 90% das pessoas escolhem as cartas A e 2, evidenciando a constância de um raciocínio que não se conforma com as condições de verdade da implicação material. A resposta correta é obviamente A e 1. Um enunciado da forma "Se A, então B" é falso apenas quando o antecedente é verdadeiro e o conseqüente é falso. Desta maneira, o enunciado a ser comprovado só será falso se a carta tiver a face A e a face oposta for

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Nunca dei muita pelota para os estudos psicológicos que buscam mostrar que o ser humano pensa ilogicamente. Há muito espaço para como interpretar os resultados destes experimentos, sem contar as condições em que eles geralmente são realizados. Mas essa semana eu pude constatar a dificuldade que as pessoas têm em lidar com a implicação material. Chega a ser espantoso. Minha conclusão é que as pessoas realmente caem com enorme facilidade na falácia do conseqüente. Ou seja, elas geralmente desenvolvem o seguinte raciocínio: Se A, então B B ------------- Logo A. Existe uma maneira muito simples de perceber que este raciocínio é inválido. Se substituírmos as premissas A e B, reespectivamente por "Se chove, então a rua está molhada" e "a rua está molhada", então podemos ver claramente que a conclusão "chove/choveu" não se segue das premissas. Afinal, um caminhão-pipa poderia ter passado pela rua e lançado água sobre ela. Notei também que as pessoas têm mais faci

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Vejamos o paradoxo da liberdade. Para que uma ação seja livre, é preciso que: 1) Ela seja o resultado de uma deliberação. Um evento mental consciente está na sua origem. Além disso, é necessário que este evento mental não seja causado por um evento anterior. Neste caso, a ação seria determinada pelo evento antecedente ao evento mental e, portanto, não seria livre. Deste modo, uma ação livre precisa ter na sua base um evento mental espontâneo. 2) Ela precisa ser realmente causada pelo evento mental. A decisão tomanda conscientemente deve determinar causalmente a ocorrência da ação. Posta esta definição de uma ação livre, é fácil perceber que tanto o determinismo quanto o seu contrário, isto é, a absoluta aleatoriedade dos eventos impossibilitam a existência de ações livres. Se o mundo é determinista, isto é, se para todo evento há um outro evento que lhe antecede e determina, então não há eventos espontâneos. Ou seja, a condição "1)" para que uma ação seja livre não é respeita

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Abaixo segue um exemplo da falácia do apostador. O lance de moedas é um sistema de apostas justo. A coroa saiu 10 vezes seguidas. ------------------------------ Há maiores chances de sair cara no próximo lance. Para entender o motivo que torna este argumento falacioso, precisamos de uma clareza maior sobre o que faz um sistema de apostas ser justo. Há basicamente duas exigências: não-viciado: o dispositivo não pode ser viciado. A moeda, por exemplo, permite a geração de dois tipos de eventos, cara e coroa. Para não ser viciada, a moeda precisa gerar estes eventos na mesma freqüência ao longo do tempo. Em 200 lances, espera-se que aproximadamente metade deles resulte em coroa e a outra metade em cara. independência: o dispositivo deve gerar eventos randômicos, ou seja, os eventos gerados anteriormente não podem influenciar ou determinar quais eventos serão gerados futuramente. Pode-se dizer também que o dispositivo não tem memória. O lançamento de moedas que sempre gerasse o evento coro