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Mostrando postagens de junho, 2009

[146] Tese KK e ceticismo

Parece-me razoável que: (1) Se S está na situação/circunstância X, S sabe que p. (2) Se S não está situação/circunstância X, S não sabe que p. Condicionais como estes evidenciam a sensibilidade do saber ao contexto. Vamos imaginar uma situação mais concreta. A proposição p é "se chama 'S'". A situação X é aquela em que as faculdades mentais de S estão funcionando normalmente e ele se encontra em estado de vigília. Nesta situação, não resta dúvidas de que S sabe que se chama 'S'. Vamos imaginar agora uma outra situação: S leva uma pancada na cabeça e horas depois recobre a consciência, mas tem amnésia total. Ele não sabe quem é, onde está, enfim, não se lembra de nada. Um médico chega e lhe diz que ele se chama 'S'. Ora, nesta circunstância, S não sabe que se chama 'S'. Mesmo depois do médico ter lhe dito o seu nome, S tem apenas uma razão para crer que se chama 'S', mas dada a situação de amnésia total em que se encontra, não se pode di

[145] Newton da Costa

Hoje tive o prazer de conhecer o prof. Newton da Costa. Para quem não sabe, Newton da Costa é um lógico e filósofo brasileiro de renome internacional, inventor da lógica paraconsistente . Ele é pouco estudado e mencionando entre filósofos brasileiros . É muito comum um aluno de filosofia no Brasil terminar o curso de graduação sem nunca ter ouvido falar do Newton da Costa, embora seja raro um aluno terminar uma graduação em filosofia no Brasil sem nunca ter ouvido falar do Gianotti ou da Marilena Chauí. O fato destes últimos participarem ou terem participado da vida política do país contribui para que sejam mais notórios, o que, a meu ver, ainda não justifica esta ampla assimetria. Se parece inconcebível que as disciplinas de filosofia moderna em um bom curso de filosofia não cubram Descartes e Kant, eu diria que também é inconcebível que as disciplinas de lógica e filosofia da lógica (quando houver) de um bom curso de filosofia não façam qualquer menção ao Newton da Costa. Vejam que

[144] Somos realistas sobre a causa da dor, mas imaterialistas sobre a sensação de dor.

Continuado a discussão sobre dor ( [137] ), pretendo expor o seguinte: o senso comum embute tanto a tese de que a dor persiste quando não é atendida/percebida (realismo a respeito da dor) quanto a tese de que a dor só existe quando é atendida (imaterialismo a respeito da dor). Colocado nestes termos, o senso comum embutiria, então, uma contradição. No entanto, meu ponto essencial é que o realismo diz respeito à causa da sensação de dor e o imaterialismo diz respeito à sensação de dor propriamente. Não há desta forma contradição. O que acontece é que a mesma expressão, i.e. "dor de cabeça", pode ser usada em alguns contextos para se referir à causa da dor e, em outros, à sensação de dor. Vejamos algumas situações que ilustram este ponto. Fui dormir sentindo dor de cabeça. Adormeci e sonhei. No meio do sonho, acordei e logo tomei a consciência dolorosa de que a minha dor de cabeça não havia passado. De imediato, lembrei-me que, no sonho, sentia-me bem. Pode-se contestar a fidel

[143] Sobre a natureza da filosofia

Se o que é filosofia ou filosófico fosse sempre decidido pela tradição filosófica, estaríamos até hoje às voltas apenas com a pergunta de Tales: qual é o princípio básico de onde provém todas as coisas? A história da filosofia é um contínuo processo de extensão criativa da própria filosofia. Tenho a impressão de que o mesmo vale para qualquer saber particular, talvez em menor grau. Será que os gregos contariam o cálculo de probabilidade como pertencendo à aritmética e os fractais como pertencendo à geometria? Sem tomar ciência do desenrolar da própria matemática entre lá e cá, dificilmente. Outro exemplo: na cabeça de um grego antigo, "teoria do caos" seria uma contradição em termos. Atualmente, esta expressão designa um corpo de conhecimento relativamente corroborado. Ou seja, até aonde vai a teoria é algo que não podemos agora estabelecer em definitivo, muito embora tenhamos, do nosso ponto de vista atual, limites bem definidos para o que contar como teoria. O mesmo vale pa

[142] Autonomia e consenso

Muitos podem achar engraçada esta manifestação poética do Claudio Costa. Não a cito aqui para indispor o leitor contra o filósofo ou para ridicularizá-lo. Muito pelo contrário. Cláudio Costa está entre os nomes de maior respeito da filosofia brasileira, eu acho. Não foi por acaso que coloquei o link para a sua página pessoal bem ali na coluna direita na seção reservada aos filósofos que considero criativos e originais, o que não implica que eu os veja como geniais, nem que eu não os veja como tais, enfim, digo logo antes que me atirem alguma pedra. O leitor curioso pode encontrar aqui outros vídeos do Claudio Costa discorrendo sobre temas filosóficos variados. Mencionei a manifestação poética de Claudio Costa pelo seguinte motivo: o fato de ele não temer se expor à comunidade filosófica é um sinal da autonomia e auto-confiança de pensamento que ele já adquiriu diante desta mesma comunidade, o que é uma característica essencial para alguém que pretende filosofar de modo autêntico.

[141] Ética da Verdade?

Podemos falar em ética da verdade? Isto é, pode haver um argumento moral em favor da crença na verdade absoluta? A crença na verdade absoluta tem um duplo efeito virtuoso, como ficou muito bem demonstrado aqui : (i) ela nos torna mais humildes diante das razões que nos são dadas por terceiros, pois se a verdade não é implicada pela nossa situação epistêmica, então razões de terceiros são bons motivos para revermos as nossas próprias razões e (ii) justamente por nos fazer rever as nossas próprias razões, ela é uma forte razão para evitarmos a apatia epistêmica, isto é, não precisamos esperar pelas razões alheias para revisar as nossas próprias. A crença na verdade absoluta nos obriga à revisão constante, o que é epistemicamente saudável. A descrença na verdade absoluta, na sua versão dogmática, tem, ao contrário, um duplo efeito vicioso: (iii) nos torna arrogantes com terceiros, já que suas razões são irrelevantes para o que cremos como verdadeiro e (iv) nos conduz à apatia epistêmica,

[140] Palestra de Julio Cabrera e a trágica história da filosofia brasileira.

Esta é uma importante palestra de Julio Cabrera sobre o estado da filosofia ibero-americana, em especial, a brasileira e a argentina. Todos os alunos de filosofia em terras brasileiras deveriam assistir esta palestra, ela contém informações e discussões valiosas para o modo como estes alunos podem pensar e encaminhar a sua formação filosófica. Chamo atenção para dois pontos: (1) a filosofia profissional brasileira, tal como foi implantada em nosso país, acovardou o nosso pretendente à filósofo a ponto de ele sentir vergonha de se proclamar como tal; na melhor das hipóteses, ele se vê como um historiador da filosofia, um professor de filosofia ou meramente um comentador de filosofia. Curiosamente, como nos lembra Cabrera, não foi sempre assim. No final do século XIX, tivemos respeitáveis filósofos. Farias Brito, Tobias Barreto e muitos outros, ainda que suas filosofias fossem falhas ou mesmo fracas. Temos de lhes dar um desconto, já que, nesta época, o acesso a livros neste país era p

[139] Amoralidade e o sentido da razão.

Bernard Williams , diante do indivíduo que adota a postura amoral em virtude da falta de razões para agir assim ou assado, pois não vê sentido em nenhuma delas, diz que, neste caso, a falta não é da racionalidade, mas da humanidade. A humanidade fracassa diante deste indivíduo em lhe dar ajuda e esperança. Não lhe faltam razões, o que lhe falta é ver sentido nas razões. Porém, as razões não têm como fazer o indivíduo perceber tal sentido. O tecido envolvente que poderia despertar esperança no indivíduo não é o da racionalidade, mas o das relações humanas. O amoral por falta de sentido é o indivíduo que foi alijado da humanidade ou que se alijou da humanidade. Em todo caso, soa-me como uma fraqueza da razão dizer que ela não consegue embutir o seu próprio sentido, o que obviamente não implica que o sentido lhe seja acoplado irracionalmente. Significa apenas que isoladamente ela não o produz. E, no entanto, Williams está correto. Nenhum argumento é capaz de fazer com que uma pessoa veja