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[142] Autonomia e consenso

Muitos podem achar engraçada esta manifestação poética do Claudio Costa. Não a cito aqui para indispor o leitor contra o filósofo ou para ridicularizá-lo. Muito pelo contrário. Cláudio Costa está entre os nomes de maior respeito da filosofia brasileira, eu acho. Não foi por acaso que coloquei o link para a sua página pessoal bem ali na coluna direita na seção reservada aos filósofos que considero criativos e originais, o que não implica que eu os veja como geniais, nem que eu não os veja como tais, enfim, digo logo antes que me atirem alguma pedra. O leitor curioso pode encontrar aqui outros vídeos do Claudio Costa discorrendo sobre temas filosóficos variados.

Mencionei a manifestação poética de Claudio Costa pelo seguinte motivo: o fato de ele não temer se expor à comunidade filosófica é um sinal da autonomia e auto-confiança de pensamento que ele já adquiriu diante desta mesma comunidade, o que é uma característica essencial para alguém que pretende filosofar de modo autêntico. Se, por um lado, é prudente recomendar ao noviço em um assunto qualquer seguir relativamente de perto o consenso da comunidade sobre esse determinado assunto, imputando-lhe inclusive tolice se não o fizer, por outro, é completamente saudável e esperado que o especialista neste assunto não se deixe guiar pelo consenso da comunidade sobre o assunto, a não ser, é claro, na situação em que a sua opinião sobre o assunto coincida com o consenso da comunidade sobre o assunto, o que não é, na verdade, um caso de deixar-se guiar pelo consenso, mas sim um caso de corroborá-lo. Quanto mais o filósofo avança na sua jornada filosófica tanto mais ele deve aspirar autonomia de pensamento diante dos seus parceiros intelectuais; de outro modo, ele não avança. Claudio Costa, Julio Cabrera e Newton da Costa são filósofos em terras brasileiras que exibem sinais de estar claramente num estágio avançado de suas jornadas filosóficas; eles não manifestam qualquer temor quanto ao seu filosofar.

É verdade que a falta de temeridade pode ser sinal também de loucura ou simplesmente de tolice e não apenas de autonomia de pensamento. Exatamente por isso ela não é suficiente para o bom filosofar ou mesmo para o filosofar. O noviço incauto e irreverente que não teme se expor jamais é apenas um tolo. Sem ela, no entanto, o filósofo não filosofa.

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