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Mostrando postagens de agosto, 2007

[74]

Personalidade forte não é tanto aquela que vive sozinha em paz, mas sim aquela que não se altera mesmo no convívio em grupo, que resiste tranqüila à pressão para se igualar, se rebaixar. No entanto, de duas uma: ou ela é o líder ao qual os outros membros tentam se ajustar, pelo menos no comportamento externalizado, ou ela terá uma permanência breve no grupo. Não há terceira opção. Grupos não perduram sem um mínimo de uniformalização e massificação, mesmo os mais heterogêneos. E o nó górdio geralmente recai sobre a discórdia moral e emocional.

[73]

Anedota filosófica. Platão estava ministrando a teoria das idéias para os seus discípulos e, ao exemplificá-la, aponta para um copo em cima da uma mesa próxima e diz que, embora possa haver inúmeros copos como aquele, há apenas uma única idéia de copo e a sua existência precede a dos copos particulares. Diógenes, neste momento, se levanta e caminha para a mesa, observa o copo e retruca dizendo que não vê nenhuma idéia de copo no copo. Platão responde que embora ele tenha olhos para ver copos particulares, Diógenes não tem intelecto para ver a idéia do copo. Diógenes, então, olha para dentro do copo e diz que ele está vazio. Depois ele pergunta a Platão de onde viria a idéia de vazio que precede o vazio do copo. Platão ficou a pensar, enquanto isso, Diógenes se aproximou, tocou na cabeça de Platão com o seu indicador e disse, "Eu acho que aqui você vai encontrar O vazio".

[72]

Em [69] e [70] , inquiri, de maneira superficial, a origem do valor da vida. Recentemente, encontrei um texto do Cabrera que leva a questão mais a fundo. Ele faz uma interessante distinção entre éticas afirmativas e negativas. As primeiras tomam como pressuposto o valor da vida, enquanto as segundas vão um pouco mais longe e se perguntam pelo valor da vida, sua origem e se viver é compatível com uma vida ética.

[71]

Irrita-me sobretudo o ateu religioso, o qual não difere em quase nada, na sua forma, do religioso prosélito. Ambos se acham não só no direito, mas no dever de espicaçar a crença alheia com o intuito de lhe incutir a própria. No fundo, é um exercício de vaidade, uma cruzada para expandir-se nas terras mentais do seu vizinho, um desejo de se ver dominando o outro. O que há de errado nessa sede por poder? Nela, em si, nada. Nem posso ou pretendo provar errônea a coluna sobre a qual ela se apóia: a convicção de se estar absolutamente certo. Em verdade, eu poderia "prová-la" errônea com justificativas, mas nada que fosse suficiente para estabelecer a convicção absoluta, a imobilidade doxástica, pois, de outro modo, eu cairia em franca contradição. Contudo, eu daria uma prova provisória. E qual seria o meu comportamento correspondente? Ora, se tenho em mãos o certo incerto, não seria sábio usá-lo como arma para socar o outro. O risco de quebrar e eu mesmo apanhar, em resposta, é co

[70] Do valor de um valor

O que poderia levar um sujeito a considerar a utilidade da vida um valor maior que a própria vida? O excesso de vaidade é uma possibilidade. A necessidade deste indivíduo de ser olhado e admirado é tão grande que ele só consegue imaginar como completamente miserável e sem sentido a vida de alguém que não é necessária ou almejada por mais ninguém. No entanto, alguém pode admirar a si mesmo, ainda que ninguém mais o admire e, assim, sentir-se necessário e útil para si mesmo. O ponto aqui a ser enfatizado é que o valor de um valor pode estar atrelado à uma necessidade ou demanda psicológica.

[69]

Apesar de um espírito cristão considerar abominável a seguinte questão, penso que seja legítimo nos questionar o valor da vida. Claro que a vida é um bem e que esperamos ter o direito a ela na maioria das circunstâncias. Ou ainda muito antes de ela ser um direito, ela é o que de mais intrínseco um sujeito tem, sobre a qual ele exerce um governo absoluto, até que uma outra força maior que a dele própria, a natureza, por exemplo, a tome de si. Sendo assim, se a vida, em princípio, pertence ao sujeito, ele pode aniquilá-la sem reprovação moral. Os cristãos não pensam assim, pois acham que a vida é dada e tirada por Deus. O suicídio é imoral por ser um ato de contestação e usurpação do poder divino. Mas deixemos de lado o cristianismo. O que eu quero mesmo saber é em quais situações um sujeito deveria considerar a sua vida sem valor. Repare que falo em dever e não em ser. Um sujeito deprimido pode sentir a sua vida sem valor, mas ele não tem qualquer razão para julgá-la sem valor. Ele apen

[68]

Quarto critério de solidão: quando o tempo lhe rouba as memórias e você perde o seu próprio passado. O presente sozinho ainda encerra a possibilidade do encontro efetivo, mas ele é sempre pouco provável.