Apesar de um espírito cristão considerar abominável a seguinte questão, penso que seja legítimo nos questionar o valor da vida. Claro que a vida é um bem e que esperamos ter o direito a ela na maioria das circunstâncias. Ou ainda muito antes de ela ser um direito, ela é o que de mais intrínseco um sujeito tem, sobre a qual ele exerce um governo absoluto, até que uma outra força maior que a dele própria, a natureza, por exemplo, a tome de si. Sendo assim, se a vida, em princípio, pertence ao sujeito, ele pode aniquilá-la sem reprovação moral. Os cristãos não pensam assim, pois acham que a vida é dada e tirada por Deus. O suicídio é imoral por ser um ato de contestação e usurpação do poder divino. Mas deixemos de lado o cristianismo. O que eu quero mesmo saber é em quais situações um sujeito deveria considerar a sua vida sem valor. Repare que falo em dever e não em ser. Um sujeito deprimido pode sentir a sua vida sem valor, mas ele não tem qualquer razão para julgá-la sem valor. Ele apenas a sente destituída de significado, em função do seu estado emocional. Mas podemos nos perguntar se um sujeito pode vir a pensar de maneira justificada que a sua vida não tem valor, mesmo que ele não sofra de qualquer depressão. Um sujeito que assim concluísse que a sua vida não tem valor, poderia inferir e aceitar racionalmente seu suicídio, o que não significa que ele necessariamente tiraria a sua vida, posto que há um certo abismo entre o pensamento e a ação. Mas o que diríamos de um sujeito que conclui que a sua vida não tem valor e não se suicida, que ele é imoral por não seguir o que ele, de modo justificado, pensa ser correto? Não tanto imoral, posto que a vida é dele e não minha, nem de mais ninguém, e se ele deixa de cumprir algo que lhe parece um dever, ninguém é por isso afetado, mas podemos dizer que ele é um fraco por não conseguir ultrapassar as suas barreiras emocionais e executar uma ação que ele mesmo considera um dever. Mudemos um pouco agora a pergunta. Que tipo de razão um sujeito pode ter para concluir que a sua vida não tem valor? O argumento aqui obviamente depende do que o indivíduo valoriza. Para perceber que a sua vida não tem valor, ele precisa encontrar alguns outros valores que ele assume e que a sua vida não está atendendo. Por exemplo, suponhamos que um sujeito considere fundamental que ele seja útil para alguém. Assim, se ele percebe que ninguém o ama e que ninguém precisa dele, ele estará justificado em concluir que a sua vida não tem valor, o que mostra que, para este indivíduo, há outros valores ainda mais fundamentais que a própria vida.
Voltei ao assunto da ética da crença (veja aqui a minha contribuição anterior 194 ) para escrever um texto que possivelmente será publicado como um verbete em um compêndio de epistemologia. Nesta entrada, decidi enfatizar três maneiras pelas quais a discussão sobre normas para crer se relaciona com a ética, algo que nem sempre fica claro neste debate: (1) normas morais servem de analogia para pensar normas para a crença, ainda que os domínios normativos, o epistêmico e o moral, sejam distintos; (2) razões morais são os fundamentos últimos para adotar uma norma para crer e (3) razões morais podem incidir diretamente sobre a legitimidade de uma crença, a crença (o ato de crer) não seria assim um fenômeno puramente epistêmico. O item (3) representa sem dúvida a maneira mais forte pela qual, neste debate, epistemologia e ética se entrelaçam. Sobre ele, abordei sobretudo o trabalho da Rima Basu que, a meu ver, é uma das contribuições recentes mais interessantes e inovadoras ao debate da ét...
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É natural a nós decidirmos contra a nossa vida?