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Mostrando postagens de 2017

[200] A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação, segundo Reichenbach

A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação é normalmente apresentada como marcando a diferença entre, por um lado, os processos de pensamento, teste e experimentação que de fato ocorreram em um laboratório ou em um ambiente de pesquisa e que levaram ou contribuíram para alguma descoberta científica e, de outro, os processos de justificação e validação dessa descoberta. Haveria, portanto, uma clara diferença entre descrever como cientistas chegaram a fazer certas alegações científicas, o que seria uma tarefa para as ciências empíricas, como a sociologia, a psicologia e a antropologia da ciência, e justificar essas alegações, o que seria uma tarefa para a epistemologia, uma disciplina normativa e não-empírica. Essa distinção é corriqueira em debates acerca do escopo da filosofia da ciência e teria sido explicitada inicialmente por Reichenbach. Contudo, quando examinamos a maneira como ele circunscreveu as tarefas da epistemologia, notamos que alguns elemento

[199] Uma implicação metodológica da tese da mente estendida

A tese da mente estendida[1] tem implicações metodológicas[2]. Uma bastante óbvia é que a cognição de um organismo deve ser investigada pela observação do organismo no seu ambiente habitual ou pelo menos em uma emulação do mesmo. Se os processos cognitivos de um organismo se estendem ao seu ambiente, se a cognição é um processo que se estende no tempo e resulta da interação recorrente do organismo com o seu ambiente, formando com ele um sistema dinâmico acoplado, então a investigação adequada da cognição desse organismo não pode ser realizada isolando o organismo do seu ambiente habitual. Se, ao contrário, pensamos que os processos cognitivos de um organismo estão completamente encerrados no cérebro desse organismo, então ele pode ser estudado em situações que eliminam o seu ambiente habitual. Na verdade, nessa perspectiva tradicional, tanto melhor eliminar o ambiente habitual do organismo para se ter um controle maior sobre as variáveis que podem ter alguma influência sobre o com

[198] Cegueira indutiva e arbítrio

Perdemos muito se desaprendemos a raciocinar acerca da incerteza. Observando os eventos mais recentes da política nacional, parece que estamos perdendo essa habilidade e colocando em seu lugar o arbítrio. Como popperianos, ficamos cegos para as induções, mas, diferente deles, não mergulhamos no ceticismo diante de induções, passamos antes a avançar ou a recuar conclusões conforme nos convém. Um mesmo conjunto de evidências que, em uma situação, é tomada como suficiente para uma certa conclusão é dito insuficiente em outra situação completamente análoga. Entre uma situação e outra, apenas a ‘convicção’ individual variou. É verdade que o problema não é só epistêmico. Absolutamente desconfiados uns dos outros, nos escondemos atrás de um dedutivismo bocó, e arbitramos em nosso favor tudo que não for absolutamente certo ou provado dedutivamente a partir daí. O que se vê é uma certa perversão da manobra metodológica de Descartes: supomos, se nos apetece, aquilo de que podemos duvidar. Bolhas

[197] Breve introdução à tese da mente estendida

A tese da mente estendida é distinta e não se confunde com o externismo acerca dos conteúdos mentais. Nesta breve introdução, apresento em linhas gerais o externismo acerca dos conteúdos mentais para, em seguida, contrastá-lo com a tese da mente estendida. Identifico e apresento, então, os principais comprometimentos da tese da mente estendida. A tese do externismo acerca dos conteúdos mentais afirma que as relações causais que temos com o ambiente determinam, de alguma forma, o conteúdo dos nossos estados mentais, ou seja, aquilo que percebemos, ou aquilo acerca do qual pensamos algo, ou aquilo que desejamos etc. depende dos objetos com os quais interagimos causalmente. Um argumento comum em favor dessa tese é inspirado no argumento clássico de Putnam para o externismo semântico[1]. Imaginemos um planeta muito semelhante ao nosso, praticamente gêmeo nas aparências. Ele é abundante em um líquido muito semelhante à água, povoado com seres inteligentes como nós e que usam esse lí

[196] Especialização, (ir)relevância, e progresso do conhecimento

"I want to explain why I think that much of the specialisation of contemporary philosophy is not a bad thing after all. In large part my argument depends on the engagement of philosophy with rest of knowledge. I want to defend the specialisation in philosophy that is a consequence of the overlap between a subfield of philosophy and another specialised subject matter, where that may be the history of philosophy itself [...] Our knowledge of the world has grown immeasurably since ancient times, and philosophers would be failing in their role if they did not specialise sufficiently to know enough to be able to point out exactly where lie the limits of our understanding"[1]. Não é incomum a ciência como um todo ser acusada de realizar muitas pesquisas irrelevantes[2]. Serviria de indício para essa acusação o fato de que artigos científicos são muito pouco lidos pelo público em geral. Nessa linha, alguém poderia alegar que a pesquisa acadêmica não atende as demandas soci

[195] Popper e o Princípio da Racionalidade

Popper é conhecido por ter proposto a falsificabilidade como critério de demarcação entre ciência e não-ciência. Assim, uma teoria com pretensão de cientificidade deve em princípio ser falseável ou testável. Uma teoria é falseável se ela faz proibições, isto é, se ela afirma que determinados eventos não vão ocorrer. Caso ocorram, a teoria é falseada. Na verdade, a falsificação sozinha não é suficiente para separar ciência de não-ciência, como reconhece o próprio Popper. Ela é apenas um critério de demarcação entre sistemas empíricos e não-empíricos. Nada impede que um grupo de cientistas mantenha na prática uma sistema empírico imune ao falseamento, muito embora ele seja, em princípio, falseável. Por exemplo, se esse grupo de cientistas rejeita sistematicamente os relatos da ocorrência de eventos que são proibidos pela teoria, ele age de modo não-crítico e não-científico. Assim, para caracterizar a demarcação adequadamente, Popper se vale também de regras metodológicas, regras que