"I want to explain why I think that much of the specialisation of contemporary philosophy is not a bad thing after all. In large part my argument depends on the engagement of philosophy with rest of knowledge. I want to defend the specialisation in philosophy that is a consequence of the overlap between a subfield of philosophy and another specialised subject matter, where that may be the history of philosophy itself [...] Our knowledge of the world has grown immeasurably since ancient times, and philosophers would be failing in their role if they did not specialise sufficiently to know enough to be able to point out exactly where lie the limits of our understanding"[1].
Não
é incomum a
ciência como um todo ser acusada de realizar muitas pesquisas
irrelevantes[2]. Serviria de indício para essa acusação o fato de que
artigos científicos são muito pouco lidos pelo público em geral.
Nessa linha, alguém poderia alegar que a pesquisa acadêmica não
atende as demandas sociais e existenciais que nos afligem
diariamente e, por isso, não
desperta o interesse. Contudo, é verdade que a ciência produz muitas
pesquisas
irrelevantes? Nas áreas mais tocadas pelo produtivismo, há
certamente incentivo para a indiferença quanto à relevância e para
o relaxamento do padrão de qualidade. Esse é um problema com o qual
a comunidade científica tem de lidar mais seria e urgentemente[3]. O que
dizer da ciência funcionando em condições mais benignas? Há uma
característica fundamental da ciência contemporânea que
poderia explicar em boa medida esse amplo desinteresse pelos artigos
acadêmicos, mas não a sua suposta irrelevância: a especialização. Sem
ela, não teríamos o
conhecimento acurado e refinado que possuímos hoje nas mais
diferentes áreas do saber. Ao mesmo tempo, o preço que pagamos por
esse conhecimento profundo é justamente a sua opacidade para a
maioria dos indivíduos.
Mas
não seria
importante que os resultados avançados fossem explicados em uma
linguagem não-técnica para não-especialistas? Sem dúvida, esse
não é um trabalho de importância menor, meramente informativo, de
divulgação e, na melhor das hipóteses, necessário para justificar
ao contribuinte por que ele financia a pesquisa. Esse é um trabalho
que envolve criar pontes entre diferentes linguagens e entre
diferentes disciplinas, é um trabalho que tem também como
resultado, quando bem feito, maior integração entre as partes que
compõem a rede complexa que é o conhecimento humano, é um trabalho
que nos faz avançar na compreensão do próprio conhecimento humano.
Uma razão ainda mais fundamental para que haja esse tipo de trabalho é
que não podemos esperar que as pessoas aceitem, e por conseguinte, se
beneficiem da verdade daquilo que elas não têm a menor ideia de como
pode vir a ser conhecido. A autoridade do especialista não implica
autoritarismo intelectual. Para que o cidadão defira aos especialistas,
ele precisa reconhecê-los como tais e confiar neles. É fundamental,
portanto, que ele entenda minimamente o que se passa na Ciência. Para
que esse tipo de trabalho de tradução e conversação com o público leigo
seja bem feito, exige-se tempo, dedicação e um certo tipo de
especialização[4]. Não é um tipo de trabalho que devamos exigir de
todo especialista. Também aqui nos beneficiamos da divisão social
do trabalho cognitivo[5].
Por fim, é preciso
tomar algum cuidado também com a alegação de que um resultado de
pesquisa é irrelevante. Irrelevante para quem ou em relação ao
que? Um resultado de pesquisa ser diretamente irrelevante para
aplicações ou para a solução de problemas sociais ou mesmo
existenciais não implica que ele seja irrelevante para a dinâmica
da disciplina a que pertence e para o progresso do conhecimento
científico como um todo. De acordo com Thomas Kuhn[6], sem puzzles,
a maioria deles diretamente insignificantes para as nossas demandas
mais urgentes e práticas, não há ciência normal. Muitas das
grandes questões que, do ponto de vista social ou existencial,
gostaríamos que fossem respondidas - por exemplo, o que veio, se
algo, antes do big bang? - não contam ainda com um paradigma ou
programa de pesquisa que nos dê alguma orientação mais detalhada
acerca de como respondê-las. Ciências maduras lidam com questões
que podem ser abordadas e respondidas pelas ferramentas conceituais e
instrumentais fornecidas pelos paradigmas que as governam. No caso
dessas ciências, o critério de relevância para pesquisas é muito
mais interno à disciplina que externo. Foi só assim que obtivemos o progresso
notável em termos de acurácia e precisão nos últimos séculos em
disciplinas como a física, a química e a biologia. Abrir mão da
especialização significaria abrir mão do controle e da compreensão
aprofundadas que obtivemos da natureza.
A filosofia não é ciência, muito menos ciência normal. Todavia, na medida em que ela se dedica a refletir acerca de alguma área do saber, ela terá que se especializar para fazer justiça à especialização que esse saber encerra. Nem toda investigação filosófica será tão hermética, mas é difícil conceber e conceder que alguma séria não atinja uma profundidade e complexidade que é igualmente difícil de acompanhar e assimilar.
A filosofia não é ciência, muito menos ciência normal. Todavia, na medida em que ela se dedica a refletir acerca de alguma área do saber, ela terá que se especializar para fazer justiça à especialização que esse saber encerra. Nem toda investigação filosófica será tão hermética, mas é difícil conceber e conceder que alguma séria não atinja uma profundidade e complexidade que é igualmente difícil de acompanhar e assimilar.
[1] Ladymen, James. “In Praise of
Specialisation”.
http://www.philosophersmag.com/index.php/tpm-mag-articles/11-essays/69-in-praise-of-specialisation
[2] Why Academics are losing relevance in Society". https://theconversation.com/why-academics-are-losing-relevance-in-society-and-how-to-stop-it-64579?
[3] "Fewer numbers, better sicence" http://www.nature.com/news/fewer-numbers-better-science-1.20858?WT.mc_id=TWT_NatureNews
[4] Nessa excelente matéria, o autor fornece várias razões para pensar que a comunicação de resultados científicos para leigos demanda especialização. E o que é alarmante, cientistas normalmente falham em comunicar apropriadamente.
[5] Kitcher, Philip. "The Division of Cognitive Labor". The Journal of Philosophy, V. 87, N. 1, 1990, p. 5-22.
[4] Nessa excelente matéria, o autor fornece várias razões para pensar que a comunicação de resultados científicos para leigos demanda especialização. E o que é alarmante, cientistas normalmente falham em comunicar apropriadamente.
[5] Kitcher, Philip. "The Division of Cognitive Labor". The Journal of Philosophy, V. 87, N. 1, 1990, p. 5-22.
[6] Kuhn, Thomas. “A
ciência normal como a resolução de quebra-cabeças”. In: A
Estrutura das Revoluções Científicas. Editora Perspectiva,
1997, p. 43-56.
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