Perdemos muito se desaprendemos a raciocinar acerca da incerteza. Observando os eventos mais recentes da política nacional, parece que estamos perdendo essa habilidade e colocando em seu lugar o arbítrio. Como popperianos, ficamos cegos para as induções, mas, diferente deles, não mergulhamos no ceticismo diante de induções, passamos antes a avançar ou a recuar conclusões conforme nos convém. Um mesmo conjunto de evidências que, em uma situação, é tomada como suficiente para uma certa conclusão é dito insuficiente em outra situação completamente análoga. Entre uma situação e outra, apenas a ‘convicção’ individual variou. É verdade que o problema não é só epistêmico. Absolutamente desconfiados uns dos outros, nos escondemos atrás de um dedutivismo bocó, e arbitramos em nosso favor tudo que não for absolutamente certo ou provado dedutivamente a partir daí. O que se vê é uma certa perversão da manobra metodológica de Descartes: supomos, se nos apetece, aquilo de que podemos duvidar. Bolhas e guetos em franca tensão são assim formados e erguidos. O frenesi delirante e fanático toma conta de alguns e os leva a arbitrar até o que é absolutamente certo, cortando então os últimos laços que nos mantinham atados. Fora do tecido social comum arranjado pela prática longa e duramente conquistada de oferecer e receber razões, o indivíduo isolado e desconfiado manifesta algo muito aquém da racionalidade. O desfecho é imprevisível a partir da posição intencional.
Irracionalismo é a tese de que os nossos julgamentos são arbitrários. O irracionalismo pode aplicar-se apenas a um setor do conhecimento humano. Por exemplo, podemos ser irracionalistas morais. Assim, julgamentos morais sobre como agir, o que fazer, o que é certo e errado são arbitrários, não temos uma razão para eles, eles não se fundam em nada que possa legitimá-los diante dos outros. Podem ser fomentados por nossas emoções ou desejos, mas nada disso tira a sua arbitrariedade diante da razão. Chegaríamos ao irracionalismo moral se tivéssemos razões para pensar que não há nada na razão que pudesse amparar julgamentos morais. Isto é, dado um dilema moral do tipo "devo fazer X ou ~X", não há ao que apelar racionalmente para decidir a questão. Donde se seque que, qualquer decisão que você tomar, seja a favor de X, seja de ~X, será arbitrária. Como poderia a razão ser tão indiferente à moralidade? Primeiro vejamos o que conferiria autoridade racional a um julgamento moral, pois ...
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