Perdemos muito se desaprendemos a raciocinar acerca da incerteza. Observando os eventos mais recentes da política nacional, parece que estamos perdendo essa habilidade e colocando em seu lugar o arbítrio. Como popperianos, ficamos cegos para as induções, mas, diferente deles, não mergulhamos no ceticismo diante de induções, passamos antes a avançar ou a recuar conclusões conforme nos convém. Um mesmo conjunto de evidências que, em uma situação, é tomada como suficiente para uma certa conclusão é dito insuficiente em outra situação completamente análoga. Entre uma situação e outra, apenas a ‘convicção’ individual variou. É verdade que o problema não é só epistêmico. Absolutamente desconfiados uns dos outros, nos escondemos atrás de um dedutivismo bocó, e arbitramos em nosso favor tudo que não for absolutamente certo ou provado dedutivamente a partir daí. O que se vê é uma certa perversão da manobra metodológica de Descartes: supomos, se nos apetece, aquilo de que podemos duvidar. Bolhas e guetos em franca tensão são assim formados e erguidos. O frenesi delirante e fanático toma conta de alguns e os leva a arbitrar até o que é absolutamente certo, cortando então os últimos laços que nos mantinham atados. Fora do tecido social comum arranjado pela prática longa e duramente conquistada de oferecer e receber razões, o indivíduo isolado e desconfiado manifesta algo muito aquém da racionalidade. O desfecho é imprevisível a partir da posição intencional.
A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação é normalmente apresentada como marcando a diferença entre, por um lado, os processos de pensamento, teste e experimentação que de fato ocorreram em um laboratório ou em um ambiente de pesquisa e que levaram ou contribuíram para alguma descoberta científica e, de outro, os processos de justificação e validação dessa descoberta. Haveria, portanto, uma clara diferença entre descrever como cientistas chegaram a fazer certas alegações científicas, o que seria uma tarefa para as ciências empíricas, como a sociologia, a psicologia e a antropologia da ciência, e justificar essas alegações, o que seria uma tarefa para a epistemologia, uma disciplina normativa e não-empírica. Essa distinção é corriqueira em debates acerca do escopo da filosofia da ciência e teria sido explicitada inicialmente por Reichenbach. Contudo, quando examinamos a maneira como ele circunscreveu as tarefas da epistemologia, notamos que alguns elemento...
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