Irrita-me sobretudo o ateu religioso, o qual não difere em quase nada, na sua forma, do religioso prosélito. Ambos se acham não só no direito, mas no dever de espicaçar a crença alheia com o intuito de lhe incutir a própria. No fundo, é um exercício de vaidade, uma cruzada para expandir-se nas terras mentais do seu vizinho, um desejo de se ver dominando o outro. O que há de errado nessa sede por poder? Nela, em si, nada. Nem posso ou pretendo provar errônea a coluna sobre a qual ela se apóia: a convicção de se estar absolutamente certo. Em verdade, eu poderia "prová-la" errônea com justificativas, mas nada que fosse suficiente para estabelecer a convicção absoluta, a imobilidade doxástica, pois, de outro modo, eu cairia em franca contradição. Contudo, eu daria uma prova provisória. E qual seria o meu comportamento correspondente? Ora, se tenho em mãos o certo incerto, não seria sábio usá-lo como arma para socar o outro. O risco de quebrar e eu mesmo apanhar, em resposta, é considerável. A abordagem a ser tomada é a da prudência. Eu mostro o meu certo incerto, floreio a sua beleza natural e não escondo os seus defeitos. Se o meu interlocutor se deixar afetar pela minha descrição, ele, por si mesmo, irá adicioná-la no seu estoque de crenças. Essa abordagem não é invasiva, mas diplomática, pois espera que o outro acolha o que você oferece. No entanto, ela serve igualmente para expandir o seu território. Uma vez que a sua semente está lá, ela pode germinar. Mas eu não provei absolutamente que o ateu religioso está errado, que ele se engana na sua pretensa certeza. O comportamento dele apenas me irrita, é isso. Temos morais diferentes diante do diálogo. E ele está errado, provisoriamente errado.
Voltei ao assunto da ética da crença (veja aqui a minha contribuição anterior 194 ) para escrever um texto que possivelmente será publicado como um verbete em um compêndio de epistemologia. Nesta entrada, decidi enfatizar três maneiras pelas quais a discussão sobre normas para crer se relaciona com a ética, algo que nem sempre fica claro neste debate: (1) normas morais servem de analogia para pensar normas para a crença, ainda que os domínios normativos, o epistêmico e o moral, sejam distintos; (2) razões morais são os fundamentos últimos para adotar uma norma para crer e (3) razões morais podem incidir diretamente sobre a legitimidade de uma crença, a crença (o ato de crer) não seria assim um fenômeno puramente epistêmico. O item (3) representa sem dúvida a maneira mais forte pela qual, neste debate, epistemologia e ética se entrelaçam. Sobre ele, abordei sobretudo o trabalho da Rima Basu que, a meu ver, é uma das contribuições recentes mais interessantes e inovadoras ao debate da ét...
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