Hoje tive o prazer de conhecer o prof. Newton da Costa. Para quem não sabe, Newton da Costa é um lógico e filósofo brasileiro de renome internacional, inventor da lógica paraconsistente. Ele é pouco estudado e mencionando entre filósofos brasileiros. É muito comum um aluno de filosofia no Brasil terminar o curso de graduação sem nunca ter ouvido falar do Newton da Costa, embora seja raro um aluno terminar uma graduação em filosofia no Brasil sem nunca ter ouvido falar do Gianotti ou da Marilena Chauí. O fato destes últimos participarem ou terem participado da vida política do país contribui para que sejam mais notórios, o que, a meu ver, ainda não justifica esta ampla assimetria. Se parece inconcebível que as disciplinas de filosofia moderna em um bom curso de filosofia não cubram Descartes e Kant, eu diria que também é inconcebível que as disciplinas de lógica e filosofia da lógica (quando houver) de um bom curso de filosofia não façam qualquer menção ao Newton da Costa. Vejam que não estou exigindo que a obra de Newton da Costa seja coberta num curso de lógica ou de filosofia da lógica. Digo apenas que não me parece nada razoável que seus achados e a sua posição com respeito a certas questões da filosofia da lógica não sejam sequer mencionados.
O fato de o trabalho de Newton da Costa não ser amplamente mencionado nos cursos de graduação em filosofia no Brasil é sintomático do quanto a nossa comunidade brasileira de filosofia não abraça ampla e tematicamente questões da filosofia da lógica. Caso abraçasse amplamente, a situação mencionada acima não ocorreria: seria raro um aluno se graduar em filosofia sem ter ouvido falar do Newton da Costa. Entre matemáticos e cientistas da computação (veja aqui um artigo dele refletindo sobre as implicações da lógica paraconsistente para a computação), Newton da Costa goza de relativa notoriedade ou quando ele não goza, a sua lógica paraconsistente goza. No último final de semana, por exemplo, conversando com um técnico da Petrobras, falo novamente, um técnico da Petrobras com formação em engenharia, ouvi da boca dele a importância da lógica paraconsistente para a modelagem de processos de extração de petróleo em plataformas. E ele sabia que o autor dessa coisa era um brasileiro.
"Ok", alguém me retrucaria, "a lógica paraconsistente tem aplicação prática e é só por isso que o sujeito a conhecia". No caso dele, provavelmente o interesse prático o motivou. Mas a lógica paraconsistente tem tantas implicações filosóficas que é inaceitável que alguém estude lógica e filosofia da lógica sem saber da sua existência. Por exemplo, ao discutir o paradoxo do mentiroso e, na verdade, ao se discutir em geral paradoxos que emergem a partir de contradições (e suspeito que a maior parte deles emerge assim), você tem de se perguntar se este paradoxo não pode ter um tratamento pela lógica paraconsistente. Muitos supostos paradoxos filosóficos podem ter a aparência de paradoxos apenas por serem pensados tendo como pano de fundo a lógica clássica. Para deixar o meu ponto mais preciso: é claro que você pode discutir o paradoxo do mentiroso sem mencionar a lógica paraconsistente ou as coisas que o Newton da Costa fala sobre ele no seu Ensaio sobre os Fundamentos da Lógica, o que você não pode fazer é achar que tem a resposta definitiva para o problema ou simplesmente uma excelente resposta para o problema sem mencioná-lo. Falo aqui apenas de uma implicação filosófica da lógica paraconsistente. Há muitas outras. Enfim, não é razoável ignorar filosoficamente a lógica paraconsistente. Em virtude de interesses filosóficos, o sujeito que se debruça sobre filosofia da lógica, da matemática e mesmo da linguagem não tem como ignorar por completo a lógica paraconsistente e, no nosso caso especial, o Newton da Costa.
Mas o que eu gostaria de deixar realmente registrado aqui sobre o Newton é o seguinte: ele é filósofo até a última de suas células. Ele transborda filosofia, ele irradia filosofia. É praticamente impossível assistir uma palestra sua e não sair dali inquieto, pensativo, filosoficamente estimulado. Newton é visivelmente tomado por questões filosóficas e ele consegue facilmente contagiar quem está ao seu redor. Qualquer que seja a caracterização existencial que se fizer do filósofo, Newton da Costa será enquadrado nela ou esta caracterização estará errada.
Nesta entrevista, da Costa fala um pouco sobre o que é a lógica paraconsistente e menciona algumas de suas aplicações.
Alexandre Machado estava presente e também escreveu sobre ele e a ocasião.
O fato de o trabalho de Newton da Costa não ser amplamente mencionado nos cursos de graduação em filosofia no Brasil é sintomático do quanto a nossa comunidade brasileira de filosofia não abraça ampla e tematicamente questões da filosofia da lógica. Caso abraçasse amplamente, a situação mencionada acima não ocorreria: seria raro um aluno se graduar em filosofia sem ter ouvido falar do Newton da Costa. Entre matemáticos e cientistas da computação (veja aqui um artigo dele refletindo sobre as implicações da lógica paraconsistente para a computação), Newton da Costa goza de relativa notoriedade ou quando ele não goza, a sua lógica paraconsistente goza. No último final de semana, por exemplo, conversando com um técnico da Petrobras, falo novamente, um técnico da Petrobras com formação em engenharia, ouvi da boca dele a importância da lógica paraconsistente para a modelagem de processos de extração de petróleo em plataformas. E ele sabia que o autor dessa coisa era um brasileiro.
"Ok", alguém me retrucaria, "a lógica paraconsistente tem aplicação prática e é só por isso que o sujeito a conhecia". No caso dele, provavelmente o interesse prático o motivou. Mas a lógica paraconsistente tem tantas implicações filosóficas que é inaceitável que alguém estude lógica e filosofia da lógica sem saber da sua existência. Por exemplo, ao discutir o paradoxo do mentiroso e, na verdade, ao se discutir em geral paradoxos que emergem a partir de contradições (e suspeito que a maior parte deles emerge assim), você tem de se perguntar se este paradoxo não pode ter um tratamento pela lógica paraconsistente. Muitos supostos paradoxos filosóficos podem ter a aparência de paradoxos apenas por serem pensados tendo como pano de fundo a lógica clássica. Para deixar o meu ponto mais preciso: é claro que você pode discutir o paradoxo do mentiroso sem mencionar a lógica paraconsistente ou as coisas que o Newton da Costa fala sobre ele no seu Ensaio sobre os Fundamentos da Lógica, o que você não pode fazer é achar que tem a resposta definitiva para o problema ou simplesmente uma excelente resposta para o problema sem mencioná-lo. Falo aqui apenas de uma implicação filosófica da lógica paraconsistente. Há muitas outras. Enfim, não é razoável ignorar filosoficamente a lógica paraconsistente. Em virtude de interesses filosóficos, o sujeito que se debruça sobre filosofia da lógica, da matemática e mesmo da linguagem não tem como ignorar por completo a lógica paraconsistente e, no nosso caso especial, o Newton da Costa.
Mas o que eu gostaria de deixar realmente registrado aqui sobre o Newton é o seguinte: ele é filósofo até a última de suas células. Ele transborda filosofia, ele irradia filosofia. É praticamente impossível assistir uma palestra sua e não sair dali inquieto, pensativo, filosoficamente estimulado. Newton é visivelmente tomado por questões filosóficas e ele consegue facilmente contagiar quem está ao seu redor. Qualquer que seja a caracterização existencial que se fizer do filósofo, Newton da Costa será enquadrado nela ou esta caracterização estará errada.
Nesta entrevista, da Costa fala um pouco sobre o que é a lógica paraconsistente e menciona algumas de suas aplicações.
Alexandre Machado estava presente e também escreveu sobre ele e a ocasião.
Comentários
Quero reproduzir aqui o elogio que fiz no blog do Alexandre. Acredito que merece elogio toda a divulgação da pessoa e do pensamento de Newton da Costa. Costumo dizer que o Prof. Newton é um grande filósofo e é brasileiro, apesar de as duas descrições parecerem não combinar entre si. O fato é que não apenas combinam, como tem referência.
Parabéns Eros.
E, de fato, ter alguém tão gigante como o Newton da Costa entre nós é um motivo para nos orgulhar. É também um convite para o pensamento autônomo, ainda que poucos de nós pequenos venham a alcançar um pensamento tão altivo quanto o dele.