Se o que é filosofia ou filosófico fosse sempre decidido pela tradição filosófica, estaríamos até hoje às voltas apenas com a pergunta de Tales: qual é o princípio básico de onde provém todas as coisas? A história da filosofia é um contínuo processo de extensão criativa da própria filosofia. Tenho a impressão de que o mesmo vale para qualquer saber particular, talvez em menor grau. Será que os gregos contariam o cálculo de probabilidade como pertencendo à aritmética e os fractais como pertencendo à geometria? Sem tomar ciência do desenrolar da própria matemática entre lá e cá, dificilmente. Outro exemplo: na cabeça de um grego antigo, "teoria do caos" seria uma contradição em termos. Atualmente, esta expressão designa um corpo de conhecimento relativamente corroborado. Ou seja, até aonde vai a teoria é algo que não podemos agora estabelecer em definitivo, muito embora tenhamos, do nosso ponto de vista atual, limites bem definidos para o que contar como teoria. O mesmo vale para a filosofia. Sua sina, ainda mais que a de outros saberes particulares, é se estender.
Cabrera nos chama a atenção (veja [140]) para o seguinte: enquanto o filósofo europeu-americano imerso na sua tradição filosófica não exerce absoluta parcimônia sobre a sua própria tradição, forçando-a aqui e ali a estender-se, nós, herdeiros canhestros desta tradição, paradoxalmente adotamos a atitude de maior conservadorismo possível diante desta tradição. Tomamos como diamante puro e lapidado aquilo que nem absolutamente nos pertence. Falta-nos não só lapidar o diamante, como cavucar em nossas minas os nossos próprios. Se eles podem estender a filosofia, nós também podemos.
Se a falta de ligações explícitas com a tradição filosófica nos faz ver um texto como menos filosófico tanto pior para a nossa visão filosófica. A filosofia não deveria se orgulhar de uma visão míope. O fato, por exemplo, de a tradição filosófica européia-americana ter, nos últimos dois séculos, se aproximado enquanto gênero do artigo científico, do paper, em detrimento dos diálogos, dos ensaios e sabe-se lá de que mais outros gêneros, só depõe contra a filosofia enquanto filosófica, pois ao invés de fomentar a sua extensão, força a sua redução a apenas uma de suas facetas.
Não se deve esperar do vôo filosófico a mesma parcimônia do rastejar físico. As semelhanças de família entre as entidades filosóficas são como as semelhanças entre indivíduos de uma família altamente miscigenada; já as semelhanças de família entre teorias científicas estão mais próximas das semelhanças entre indivíduos de uma família austríaca ou japonesa. Entre o primeiro grupo de semelhanças e o segundo, há uma diferença de grau substancial. Com isto quero dizer que há prima facie mais espaço na filosofia para a criatividade que na ciência ou que a primeira é mais flexível e extensível que a segunda.
Cabrera nos chama a atenção (veja [140]) para o seguinte: enquanto o filósofo europeu-americano imerso na sua tradição filosófica não exerce absoluta parcimônia sobre a sua própria tradição, forçando-a aqui e ali a estender-se, nós, herdeiros canhestros desta tradição, paradoxalmente adotamos a atitude de maior conservadorismo possível diante desta tradição. Tomamos como diamante puro e lapidado aquilo que nem absolutamente nos pertence. Falta-nos não só lapidar o diamante, como cavucar em nossas minas os nossos próprios. Se eles podem estender a filosofia, nós também podemos.
Se a falta de ligações explícitas com a tradição filosófica nos faz ver um texto como menos filosófico tanto pior para a nossa visão filosófica. A filosofia não deveria se orgulhar de uma visão míope. O fato, por exemplo, de a tradição filosófica européia-americana ter, nos últimos dois séculos, se aproximado enquanto gênero do artigo científico, do paper, em detrimento dos diálogos, dos ensaios e sabe-se lá de que mais outros gêneros, só depõe contra a filosofia enquanto filosófica, pois ao invés de fomentar a sua extensão, força a sua redução a apenas uma de suas facetas.
Não se deve esperar do vôo filosófico a mesma parcimônia do rastejar físico. As semelhanças de família entre as entidades filosóficas são como as semelhanças entre indivíduos de uma família altamente miscigenada; já as semelhanças de família entre teorias científicas estão mais próximas das semelhanças entre indivíduos de uma família austríaca ou japonesa. Entre o primeiro grupo de semelhanças e o segundo, há uma diferença de grau substancial. Com isto quero dizer que há prima facie mais espaço na filosofia para a criatividade que na ciência ou que a primeira é mais flexível e extensível que a segunda.
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