Se eu sugerisse que entre a Terra e Marte há uma bule chinês girando em torno do sol em uma órbita elíptica, ninguém estaria apto a refutar a minha afirmação desde que eu fosse cuidadoso o bastante e acrescentasse que o bule é muito pequeno para ser revelado pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se eu seguisse adiante e disesse que, visto que a minha afirmação não pode ser refutada, duvidar dela seria uma presunção intolerável por parte da razão humana, então dever-se-ia naturalmente pensar de mim que falo um contra-senso. Se, no entanto, a existência desse bule fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada a cada domingo, e implantada na mente das crianças na escola, então a hesitação em acreditar na sua existência seria uma marca de excentricidade e legitimaria chamar, sobre o incrédulo, a atenção do psiquiatra em uma era iluminada e a do Inquisitor em um tempo passado. (Russell).
Wittgenstein também trata, em Da Certeza, de asserções que são indubitáveis. Pode nos parecer, e de fato nos parece, que a asserção sobre a existência do bule é perfeitamente dubitável. Mas isso só ocorre em virtude do fato de que, em nossa visão de mundo, tal asserção é marginal. Fosse ela central, teríamos justamente a reação apontada por Russell diante daqueles que dela duvidassem. Seria estranho, chocante ou mesmo ininteligível. Se alguém perguntasse pelo seu nome e, após obter a resposta, retrucasse "como você sabe?", você certamente não teria idéia do que responder; balançaria os ombros em sinal de incompreensão. Em nossa visão de mundo, não parece ser possível que alguém não saiba como se chama, isto é, como é chamado e não necessariamente o seu nome de registro. Isso não significa que não possamos forjar um quadro para a inteligibilidade desta dúvida. Suponhamos que você tenha sofrido um golpe na cabeça e acordado com profunda amnésia. Algumas pessoas chegam e lhe chamam de 'Marcos', outras, de 'Antônio'. Neste cenário, faz sentido perguntar "como você sabe qual é o seu nome?", se supormos que uma pessoa tem apenas um nome. Porém, se lhe perguntam "como você é chamado?" e, diante da sua resposta, "'Marcos' por alguns e 'Antônio', por outros", continuaria a não fazer sentido se insistissem em perguntar "como você sabe?". Em verdade, se forçarmos um pouco mais, conseguiremos. Se você, em virtude do golpe, passa a ter também amnésia de memórias recentes, de curto prazo, então fará todo o sentido perguntar "como sabe que é chamado de 'Marcos' por alguns e de 'Antônio' por outros?", pois não parece que você esteja em condições de saber tal coisa. Temos aqui um quadro de referência para tornar esta dúvida inteligível.
Mas fica aqui a lição de Russell: contra hábitos de crença implantados pela educação e pela sacralidade, é preciso muito esforço de racionalização. Nossos hábitos de pensamentos fixam o horizonte de inteligibilidade. Por sorte, esses horizontes são móveis, mas demandam esforço e motivação. Sim, uma motivação. Mesmo que um hábito esteja baseado em uma crença falsa, ele é resistente e demanda uma boa razão para a sua remoção. A natureza humana é assim, repleta de parcimônia.
Wittgenstein também trata, em Da Certeza, de asserções que são indubitáveis. Pode nos parecer, e de fato nos parece, que a asserção sobre a existência do bule é perfeitamente dubitável. Mas isso só ocorre em virtude do fato de que, em nossa visão de mundo, tal asserção é marginal. Fosse ela central, teríamos justamente a reação apontada por Russell diante daqueles que dela duvidassem. Seria estranho, chocante ou mesmo ininteligível. Se alguém perguntasse pelo seu nome e, após obter a resposta, retrucasse "como você sabe?", você certamente não teria idéia do que responder; balançaria os ombros em sinal de incompreensão. Em nossa visão de mundo, não parece ser possível que alguém não saiba como se chama, isto é, como é chamado e não necessariamente o seu nome de registro. Isso não significa que não possamos forjar um quadro para a inteligibilidade desta dúvida. Suponhamos que você tenha sofrido um golpe na cabeça e acordado com profunda amnésia. Algumas pessoas chegam e lhe chamam de 'Marcos', outras, de 'Antônio'. Neste cenário, faz sentido perguntar "como você sabe qual é o seu nome?", se supormos que uma pessoa tem apenas um nome. Porém, se lhe perguntam "como você é chamado?" e, diante da sua resposta, "'Marcos' por alguns e 'Antônio', por outros", continuaria a não fazer sentido se insistissem em perguntar "como você sabe?". Em verdade, se forçarmos um pouco mais, conseguiremos. Se você, em virtude do golpe, passa a ter também amnésia de memórias recentes, de curto prazo, então fará todo o sentido perguntar "como sabe que é chamado de 'Marcos' por alguns e de 'Antônio' por outros?", pois não parece que você esteja em condições de saber tal coisa. Temos aqui um quadro de referência para tornar esta dúvida inteligível.
Mas fica aqui a lição de Russell: contra hábitos de crença implantados pela educação e pela sacralidade, é preciso muito esforço de racionalização. Nossos hábitos de pensamentos fixam o horizonte de inteligibilidade. Por sorte, esses horizontes são móveis, mas demandam esforço e motivação. Sim, uma motivação. Mesmo que um hábito esteja baseado em uma crença falsa, ele é resistente e demanda uma boa razão para a sua remoção. A natureza humana é assim, repleta de parcimônia.
Comentários
Tem notícias da Olga?
beijos procês
sANdrA
Adorei seu texto, fiquei curiosíssima com o Russell e com o Witgenstein. Quando o texto é bom ele nos estimula a continuar.
Beijocas,
MH