A vida sempre derrota a filosofia, por mais inventiva e contundente que esta última seja. O filósofo gera razões para dúvidas (Hume), cria gênios malignos (Descartes), mas o corpo crédulo do filósofo resiste crendo. O filósofo cria éticas negativas (Cabrera), desnuda o desvalor da vida, pinta em tons cinzas a nossa miséria (Schopenhauer), o absurdo de existir (Camus), mas o corpo deste mesmo filósofo apossa-se dele e reluta em viver. Na verdade, é o corpo que sempre derrota a filosofia, que invade truculento e irracional a arena da argumentação. Ainda mais fatal é o fato de ser sempre dele a palavra final. O que nos levanta a dúvida quanto à eficácia da filosofia. Pontualmente, ela pode ter alguma, tornando uns e outros vegetarianos, etílicos moderados etc. No entanto, somente o faz porque o corpo da à razão/filosofia uma pequena liberdade de manobra em alguns de seus meandros. Em outras regiões, a balbúrdia filosófica é simplesmente inaudita ao corpo. Algumas coisas a gente, o eu racional, o eu filosófico, decide, outras não e quem decide aquilo que a gente pode ou não decidir é o corpo. Por que, então, exercitar a filosofia se ela faz tão pouco? Tenho mesmo de ter alguma razão para exercitá-la? O corpo tem sede de curiosidade, alguns mais que outros. Estes últimos não têm como se furtar ao filosofar. São corpos paradoxais, é verdade, mas nem por isso menos corpos.
Voltei ao assunto da ética da crença (veja aqui a minha contribuição anterior 194 ) para escrever um texto que possivelmente será publicado como um verbete em um compêndio de epistemologia. Nesta entrada, decidi enfatizar três maneiras pelas quais a discussão sobre normas para crer se relaciona com a ética, algo que nem sempre fica claro neste debate: (1) normas morais servem de analogia para pensar normas para a crença, ainda que os domínios normativos, o epistêmico e o moral, sejam distintos; (2) razões morais são os fundamentos últimos para adotar uma norma para crer e (3) razões morais podem incidir diretamente sobre a legitimidade de uma crença, a crença (o ato de crer) não seria assim um fenômeno puramente epistêmico. O item (3) representa sem dúvida a maneira mais forte pela qual, neste debate, epistemologia e ética se entrelaçam. Sobre ele, abordei sobretudo o trabalho da Rima Basu que, a meu ver, é uma das contribuições recentes mais interessantes e inovadoras ao debate da ét...
Comentários