Perceber porque a subida de encosta (hill climbing) não garante a solução ótima, quanto muito, ela garante apenas o ótimo local, nos possibilita entender também, por analogia, porque não funciona o argumento realista de que teorias obtidas de pequenas transformações de uma outra bem confirmada têm mais chances de nos aproximar ainda mais da verdade.
Na verdade, o argumento realista é colocado como uma abdução, uma inferência pela melhor explicação. Parte-se de uma teoria T, bem confirmada. A partir dela, construímos, com pequenas modificações, as teorias T1, T2...Tn, sendo n não muito grande e as modificações não são substanciais. Observa-se que a probabilidade de alguma teoria Ti ser bem-sucedida é elevada, isto é, vir a ser uma teoria também bem confirmada. E, de fato, esta estratégia é evidenciada historicamente: trabalhar com hipóteses mais próximas da original (bem confirmada), e poucas delas, é mais frutífero que trabalhar com hipóteses muito distantes da original.
Neste estágio, o realista instaura o seu argumento: a melhor explicação para este fenômeno é que a teoria original já era próxima da verdade e, ao focarmos em teorias próximas da original, aumentamos a probabilidade de nos aproximarmos ainda mais da verdade.
Se considerarmos o ótimo global como estar muito próximo da verdade ou mesmo como obtendo a verdade, então percebemos a falácia de partida. O argumento realista já pressupõe que uma teoria bem confirmada está próxima da verdade. Mas uma teoria bem confirmada deveria ser equiparada quanto muito a um ótimo local, que pode estar muito longe do global e, portanto, muito distante da verdade.
Podemos entender porque a subida de encosta não garante o ótimo global pelo seguinte exemplo. Suponhamos um espaço repleto de montanhas a ser explorado. O objetivo é atingir o topo da maior montanha. Somos colocados aleatoriamente em algum lugar do espaço de busca, que já pode ser a encosta de uma montanha ou mesmo uma região de vale entre montanhas. Temos, ao nosso dispor, sensores ao norte, sul, leste e oeste a uma distância de 5 metros que indicam, relativamente a nós, a altura do solo, em metros. Também temos a nossa posição cartesiana (x,y) na região explorada. A partir disso, podemos formular a seguinte micro-hipótese: Se max (sensor1, sensor2, sensor3, sensor4, 0) = 0, então o ponto mais elevado em um raio de 5 metros, tendo x,y como origem, é o próprio ponto x,y. E obviamente é uma hipótese que temos todos os meiso de mostrar bem-confirmada ou não. Podemos trabalhar, na verdade, com um conjunto de 5 micro-hipóteses, pois, por exemplo, também podemos formular a seguinte: Se max(sensor1, sensor2, sensor3, sensor4, 0) = sensor1, então o ponto mais elevado em um raio de 5 metros, tendo x,y como origem, é o ponto x,y+5 (sensor1 = sul).
O objetivo, lembremos, é chegar no topo da maior montanha. Uma estratégia, é a seguinte. Se, ao verificar o nosso conjunto de micro-hipóteses, percebermos que não estamos no topo da micro-região em que nos encontramos, delimitada por um raio de 5 metros, nos movemos para o topo da micro-região e refazemos as micro-hipóteses, reajustando os valores de x,y. Se já estamos no topo da micro-região, refazemos ainda assim as micro-hipoteses modificando ligeiramente os valores de x,y, somando ou subtraindo unidades inteiras. Vamos supor que podemos obter os resultados do teste das novas micro-hipoteses sem estar no novo ponto x',y'. Se o ponto x',y' ainda está compreendido em um raio de 5 metros a partir de x,y, então podemos inferir se algum cume em torno x',y' é ainda mais elevado que o cume em que nos encontramos. Assim, fazendo vários pequenas modificações de x,y para formar novos conjuntos de micro-hipóteses, podemos ir caminhando vagarosamente para uma região cada vez mais alta.
Se estamos num vale, logo chegaremos ao pé de uma montanha. E uma vez na montanha, logo chegaremos no seu topo. No entanto, ao chegar no seu topo, não mais desceremos, já que, pelo procedimento adotado, nossas hipóteses estarão mapeando muito bem o cume local e não teremos qualquer razão para seguir o caminho inverso. E, no entanto, é óbvio que não há qualquer garantia de que o cume desta montanha que subimos representa o cume da maior montanha da região.
Deste modo, por razões análogas, o argumento realista não procede. Pequenas alterações em nossas hipóteses nos levam muito provavelmente a hipóteses igualmente bem-confirmadas, mas não necessariamente nos aproximam da verdade. Estas alterações podem nos levar, talvez, a um ótimo local, isto é, à hipótese que, para o domínio de fenômenos que ela explica, melhor se confirma. Ou seja, o máximo que podemos concluir, a partir da estratégia bem-sucedida de alterar ligeiramente as nossas hipóteses é que assim obteremos, no médio e longo prazo, para um certo domínio de fenômenos, a hipótese que melhor os explica. Mas isso não significa que estejamos mais próximos da verdade.
Uma resposta seria dizer que um ótimo local ainda é algo mais próximo da verdade que não estar em ótimo local algum. Se imaginarmos que as micro-hipóteses mais o procedimento rumo a um máximo local representam a propriedade de estar no ponto mais elevado, então nos aproximamos mais da verdade ao atingirmos o topo de uma montanha do que se permanecêssemos no pé da montanha ou em um vale qualquer. Mas aqui podemos notar o quão vaga ou elástica é a noção de mais próximo da verdade. O topo da montanha que alcançamos pode ser tão baixo e rasteiro perto dos demais e, em especial, do mais alto, que dizer que nos aproximamos mais da verdade ao atingí-lo não nos diz absolutamente nada quanto a quão distantes ainda estamos da verdade.
Além disso, a resposta obteve plausibilidade pela pressuposição de que, no ponto em que a verdade se encontra, a propriedade relevante a ser instanciada seria a de ser o ponto mais elevado. No cenário descrito, em que adotamos uma postura externa, isso faz sentido. A partir desta visão externa, pudemos dar uma certa concretude à idéia de estar mais ou menos próximo da verdade conforme instanciássemos mais adequadamente a referida propriedade. Mas nada disso está disponível para o realista científico. Ele não tem acesso direto à realidade externa às teorias científicas, ele não tem como saber se o ponto de chegada de algum modo se assemelha ao ponto de partida, isto é, que a teoria final quantifica sobre os mesmos objetos e sobre as mesmas propriedades que a nossa teoria atual e não há qualquer razão para ele fazer essa suposição. E se ele não pode fazer essa suposição, qualquer discurso sobre estar mais ou menos próximo da verdade carece de sentido.
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