Quando ainda estava na graduação de filosofia, perguntei certa vez a um
professor por que um diálogo não poderia ser apresentado como um trabalho
acadêmico ou mesmo como uma dissertação. Ele me respondeu que um diálogo
não teria o caráter científico que se espera de um trabalho
acadêmico. Até hoje não consegui engolir esta resposta. Por que diabos a
filosofia, enquanto gênero literário, se aproximou do texto científico,
se identificou com ele e não mais se distinguiu dele? O fato de a
filosofia ter primordialmente a verdade como meta, assim como a ciência,
não me parece suficiente para justificar a adoção dos mesmos gêneros
literários. A verdade se aborda de diferentes maneiras. Pode-se
expressar a verdade de diferentes maneiras. As ciências particulares tem
os seus modos próprios de expressar os resultados das suas pesquisas,
consoante, aliás, com os seus métodos de abordar a verdade. Não há, em
princípio, qualquer razão para que a filosofia se limite a estes
modos. Sendo a filosofia a ciência mais geral e mais conceitual, tem ela
a prerrogativa de justamente testar novos modos de expressar os
resultados das suas pesquisas. Há mais uma motivação substancial aqui:
tendo a verdade por meta, em um sentido amplo, não apenas a sua obtenção
está em jogo, em um sentido positivo, afirmativo, mas também a sua
compreensão. A compreensão não é uma propriedade que depende apenas da
verdade, ela depende em muito do modo como a verdade é articulada e
expressa. O que justifica a filosofia tentar abordá-la textualmente não
só de uma única maneira. Isso não significa que não haja limitações. A
literatura não é limitada pela meta de obter a verdade. A filosofia é. A
filosofia não pode sacrificar a obtenção da verdade para saciar demandas
líricas ou estéticas. Esta é uma restrição razoável para a
filosofia. Mas ela não é suficiente para podar os ensaios e os diálogos
como meios legítimos de expressar o resultado de uma pesquisa séria. Se
o custo de voltarmos a aceitar diálogos e ensaios como meios legítimos
de expressão filosófica é parecer aos cientistas menos científicos,
tanto melhor para a filosofia.
Alguém dizer que um diálogo não pode ser aceito como trabalho acadêmico
por não ser tão sério quanto um artigo é ainda pior. Certamente quem
afirma tal coisa nunca tentou escrever um diálogo. Um bom diálogo é
muito mais difícil de se escrever que um bom artigo e exige um
amadurecimento reflexivo sobre o assunto abordado incomparavelmente
maior. Berkeley não escreveu os Três Diálogos Entre Hylas e Philonous
antes de escrever O Tratado Sobre o Conhecimento Humano. Nem o poderia
de modo satisfatório. O diálogo justamente só é possível quando a
compreensão da verdade ou do assunto tratado é suficientemente elevada
para lhe permitir a abordagem dialógica e dialética. O tipo de passear e
caminhar sobre o tema é diverso; no caso do diálogo, pressupõe-se uma
certa visão cristalina do todo, da paisagem total que é dispensável ou
não causa tanto prejuízo no caso do artigo.
Soa-me como um assassinato filosófico não aceitar de um aluno um diálogo
como um trabalho acadêmico sério, se bem feito, é claro, se demonstrando
uma longa e reflexiva familiaridade com o assunto abordado; este
assassinato toma a dimensão de um crime hediondo se o aluno, além de não
ter o trabalho aceito, é reprovado e ridicularizado por fazê-lo. Não há
desculpas para quem, tendo em suas mãos o poder de fomentar o filosofar,
faz um mau uso deste poder, estrangulando o filosofar quando deveria
lhe dar a vida.
professor por que um diálogo não poderia ser apresentado como um trabalho
acadêmico ou mesmo como uma dissertação. Ele me respondeu que um diálogo
não teria o caráter científico que se espera de um trabalho
acadêmico. Até hoje não consegui engolir esta resposta. Por que diabos a
filosofia, enquanto gênero literário, se aproximou do texto científico,
se identificou com ele e não mais se distinguiu dele? O fato de a
filosofia ter primordialmente a verdade como meta, assim como a ciência,
não me parece suficiente para justificar a adoção dos mesmos gêneros
literários. A verdade se aborda de diferentes maneiras. Pode-se
expressar a verdade de diferentes maneiras. As ciências particulares tem
os seus modos próprios de expressar os resultados das suas pesquisas,
consoante, aliás, com os seus métodos de abordar a verdade. Não há, em
princípio, qualquer razão para que a filosofia se limite a estes
modos. Sendo a filosofia a ciência mais geral e mais conceitual, tem ela
a prerrogativa de justamente testar novos modos de expressar os
resultados das suas pesquisas. Há mais uma motivação substancial aqui:
tendo a verdade por meta, em um sentido amplo, não apenas a sua obtenção
está em jogo, em um sentido positivo, afirmativo, mas também a sua
compreensão. A compreensão não é uma propriedade que depende apenas da
verdade, ela depende em muito do modo como a verdade é articulada e
expressa. O que justifica a filosofia tentar abordá-la textualmente não
só de uma única maneira. Isso não significa que não haja limitações. A
literatura não é limitada pela meta de obter a verdade. A filosofia é. A
filosofia não pode sacrificar a obtenção da verdade para saciar demandas
líricas ou estéticas. Esta é uma restrição razoável para a
filosofia. Mas ela não é suficiente para podar os ensaios e os diálogos
como meios legítimos de expressar o resultado de uma pesquisa séria. Se
o custo de voltarmos a aceitar diálogos e ensaios como meios legítimos
de expressão filosófica é parecer aos cientistas menos científicos,
tanto melhor para a filosofia.
Alguém dizer que um diálogo não pode ser aceito como trabalho acadêmico
por não ser tão sério quanto um artigo é ainda pior. Certamente quem
afirma tal coisa nunca tentou escrever um diálogo. Um bom diálogo é
muito mais difícil de se escrever que um bom artigo e exige um
amadurecimento reflexivo sobre o assunto abordado incomparavelmente
maior. Berkeley não escreveu os Três Diálogos Entre Hylas e Philonous
antes de escrever O Tratado Sobre o Conhecimento Humano. Nem o poderia
de modo satisfatório. O diálogo justamente só é possível quando a
compreensão da verdade ou do assunto tratado é suficientemente elevada
para lhe permitir a abordagem dialógica e dialética. O tipo de passear e
caminhar sobre o tema é diverso; no caso do diálogo, pressupõe-se uma
certa visão cristalina do todo, da paisagem total que é dispensável ou
não causa tanto prejuízo no caso do artigo.
Soa-me como um assassinato filosófico não aceitar de um aluno um diálogo
como um trabalho acadêmico sério, se bem feito, é claro, se demonstrando
uma longa e reflexiva familiaridade com o assunto abordado; este
assassinato toma a dimensão de um crime hediondo se o aluno, além de não
ter o trabalho aceito, é reprovado e ridicularizado por fazê-lo. Não há
desculpas para quem, tendo em suas mãos o poder de fomentar o filosofar,
faz um mau uso deste poder, estrangulando o filosofar quando deveria
lhe dar a vida.
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