A teia de relacionamentos humanos é talvez a forma mais robusta de
aderência à vida. Despreender-se da vida, das coisas da vida, exige o
que Strawson chamou de 'atitude egoísta' diante dos outros. Isto é, nos
relacionamos com os outros sem se comprometer com eles, a não ser na
justa medida em que o comprometimento é necessário para a preservação
destes outros enquanto meios para obter fins que almejamos. O
relacionamento com os outros, a partir desta atitude, não desperta
nenhum sentimento de responsabilidade para com eles. O convívio, assim,
não pede a adesão à vida. Em contrapartida, o custo de não desejar se
sentir preso à vida é elevado, demanda a mais absoluta solidão
existencial. Uma vez que o relacionamento com os outros é tratado como
meio e não como um fim, sensações como a de confiança, empatia,
solidariedade, fundamentais para abrandar a sensação de solidão, estão
bloqueadas de partida. Confiança, empatia e solidariedade exigem o
comprometimento que só é possível quando o relacionamento com o outro é
tomado como um fim. Para sentir-se livre da vida é preciso adotar o mais
profundo abandono de si, é preciso ver-se como uma existência
desconectada de todas as demais, é preciso imaginar-se como um ponto em
um deserto.
Uma pessoa que tem um filho ou que se relaciona amorosamente com outra
abriu mão da posse plena sobre a sua vida. Em virtude dos
comprometimentos que estes relacionamentos exigem, esta pessoa perde o
direito de tirar a própria vida. Pode-se dizer que a perda deste direito
se dá em um grau menor na situação de uma relacionamento amoroso do que
na situação em que um filho é gerado. O bem-estar do filho, conforme a
sua idade, é muito mais dependente da sua existência do que o bem-estar
da pessoa amada. Além disso, o filho não escolheu relacionar-se contigo
como filho, enquanto a outra pessoa o fez. O fato de ambos serem
responsáveis pelo vir a ser da relação abranda a responsabilidade
isolada que você tem pela relação em comparação com a responsabilidade
que você tem pelo relacionamento paterno ou materno. Se, ao
relacionar-se com o outro amorosamente, você perdesse, em virtude do
comprometimento com o bem-estar desta pessoa, o total direito sobre a
própria vida, então, por razões similares, você perderia o direito de
romper o relacionamento. Como, em geral, as pessoas aceitam o rompimento
do relacionamentos amorosos, mas não aceitam, em geral, o abandono dos
filhos, podemos concluir que a perda do direito sobre a própria vida
comporta graus. O sujeito que se suicida e tem filhos age com maior
imoralidade do que o sujeito que se suicida, não tem filhos, mas tem um
relacionamento amoroso e este age também com maior imoralidade do que o
sujeito que se suicida, mas não tem filhos, nem relacionamento
amoroso. Percebe-se, então, que o suicídio se justifica, ou melhor, é
licenciado plenamente para aquelas pessoas que têm uma atitude egoísta
diante dos outros, que não se relaciona com elas compromissadamente. A
ausência de relacionamentos humanos autênticos licencia o suicídio. Este
é um resultado bem esperado, já que, em um certo sentido, uma vida
desconectada da teia social é uma existência sem significado. Pelo menos
a sociedade tende a considerá-la assim. Licencia-se, neste caso, o
suicídio em virtude de esta vida não fazer quase ou nenhuma diferença
seja para outras pessoas em particular, seja para a sociedade em
geral. Pode-se abrir aqui uma exceção para os casos de
genialidade. Mesmo que o gênio não mantenha relações significativas com
outras pessoas, seu suicídio pode não ser completamente licenciado em
virtude do valor que a sua obra tem para a sociedade. Parece-me, no
entanto, que este fator entra mais como um lamento pela perda do gênio
do que como cancelado, em algum grau, a aprovação do seu ato suicida.
Uma razão talvez para que as pessoas desejem ter filhos é que elas não
querem ter a vida delas nas suas próprias mãos, não querem se sentir
livres das próprias vidas, ou temem esse sentir. Pois então cada dia de
sua existência exige a consciência da sua escolha pelo viver. O sujeito
não viverá por obrigação, pela sensação de aderência à vida, mas por
escolher viver. Um sujeito que se vê livre do seu viver se defronta o
tempo inteiro com o porquê do seu viver. Este confronto não é isento de
sofrimento ou angústia.
aderência à vida. Despreender-se da vida, das coisas da vida, exige o
que Strawson chamou de 'atitude egoísta' diante dos outros. Isto é, nos
relacionamos com os outros sem se comprometer com eles, a não ser na
justa medida em que o comprometimento é necessário para a preservação
destes outros enquanto meios para obter fins que almejamos. O
relacionamento com os outros, a partir desta atitude, não desperta
nenhum sentimento de responsabilidade para com eles. O convívio, assim,
não pede a adesão à vida. Em contrapartida, o custo de não desejar se
sentir preso à vida é elevado, demanda a mais absoluta solidão
existencial. Uma vez que o relacionamento com os outros é tratado como
meio e não como um fim, sensações como a de confiança, empatia,
solidariedade, fundamentais para abrandar a sensação de solidão, estão
bloqueadas de partida. Confiança, empatia e solidariedade exigem o
comprometimento que só é possível quando o relacionamento com o outro é
tomado como um fim. Para sentir-se livre da vida é preciso adotar o mais
profundo abandono de si, é preciso ver-se como uma existência
desconectada de todas as demais, é preciso imaginar-se como um ponto em
um deserto.
Uma pessoa que tem um filho ou que se relaciona amorosamente com outra
abriu mão da posse plena sobre a sua vida. Em virtude dos
comprometimentos que estes relacionamentos exigem, esta pessoa perde o
direito de tirar a própria vida. Pode-se dizer que a perda deste direito
se dá em um grau menor na situação de uma relacionamento amoroso do que
na situação em que um filho é gerado. O bem-estar do filho, conforme a
sua idade, é muito mais dependente da sua existência do que o bem-estar
da pessoa amada. Além disso, o filho não escolheu relacionar-se contigo
como filho, enquanto a outra pessoa o fez. O fato de ambos serem
responsáveis pelo vir a ser da relação abranda a responsabilidade
isolada que você tem pela relação em comparação com a responsabilidade
que você tem pelo relacionamento paterno ou materno. Se, ao
relacionar-se com o outro amorosamente, você perdesse, em virtude do
comprometimento com o bem-estar desta pessoa, o total direito sobre a
própria vida, então, por razões similares, você perderia o direito de
romper o relacionamento. Como, em geral, as pessoas aceitam o rompimento
do relacionamentos amorosos, mas não aceitam, em geral, o abandono dos
filhos, podemos concluir que a perda do direito sobre a própria vida
comporta graus. O sujeito que se suicida e tem filhos age com maior
imoralidade do que o sujeito que se suicida, não tem filhos, mas tem um
relacionamento amoroso e este age também com maior imoralidade do que o
sujeito que se suicida, mas não tem filhos, nem relacionamento
amoroso. Percebe-se, então, que o suicídio se justifica, ou melhor, é
licenciado plenamente para aquelas pessoas que têm uma atitude egoísta
diante dos outros, que não se relaciona com elas compromissadamente. A
ausência de relacionamentos humanos autênticos licencia o suicídio. Este
é um resultado bem esperado, já que, em um certo sentido, uma vida
desconectada da teia social é uma existência sem significado. Pelo menos
a sociedade tende a considerá-la assim. Licencia-se, neste caso, o
suicídio em virtude de esta vida não fazer quase ou nenhuma diferença
seja para outras pessoas em particular, seja para a sociedade em
geral. Pode-se abrir aqui uma exceção para os casos de
genialidade. Mesmo que o gênio não mantenha relações significativas com
outras pessoas, seu suicídio pode não ser completamente licenciado em
virtude do valor que a sua obra tem para a sociedade. Parece-me, no
entanto, que este fator entra mais como um lamento pela perda do gênio
do que como cancelado, em algum grau, a aprovação do seu ato suicida.
Uma razão talvez para que as pessoas desejem ter filhos é que elas não
querem ter a vida delas nas suas próprias mãos, não querem se sentir
livres das próprias vidas, ou temem esse sentir. Pois então cada dia de
sua existência exige a consciência da sua escolha pelo viver. O sujeito
não viverá por obrigação, pela sensação de aderência à vida, mas por
escolher viver. Um sujeito que se vê livre do seu viver se defronta o
tempo inteiro com o porquê do seu viver. Este confronto não é isento de
sofrimento ou angústia.
Comentários
"A ausência de relacionamentos humanos autênticos licencia o suicídio."
Vou gravar essas frases. Minha carta suicida terá até citações de filósofos, olha que genial! xDD
Fiquei curiosa do resto do blog.
Obrigada e até mais.
Volte sempre.