Abaixo, o discurso de formatura como paraninfo da turma de 2022. Mais uma vez, agradeço aos formando(a)s pelo convite.
Em primeiro lugar, gostaria de registrar que fiquei muito feliz e me senti muito honrado por ter sido escolhido paraninfo desta turma. Também gostaria de saudar as suas famílias, amigas e amigos, companheiros e companheiras, sem os quais esta jornada, que exige tanto tempo e dedicação, seria inviável. O afeto dos mais próximos é o que fundamentalmente nos move adiante. Não somos quase nada sozinhos. Diria que o entorno afetivo de cada um de vocês participa também da conquista intelectual e social que a formação de vocês representa e merece, portanto, o nosso reconhecimento e aplausos.
A educação transforma e eu não tenho dúvida de que hoje vocês, formandas e formandos da turma de filosofia de 2022, são pessoas bem diferentes daquelas que ingressaram no curso de filosofia alguns anos atrás. A educação filosófica transforma de um modo bem peculiar. Ao buscar, como disse Sellars, "entender como as coisas, no mais amplo sentido possível do termo, estão conectadas no sentido mais amplo possível do termo", a filosofia educa a nossa atenção para notar suposições, conexões e complexidades onde achávamos que havia apenas simples obviedades. Descobrirmos e desbravamos mundos inteiros que passavam despercebidos nas familiaridades que nos cercam. Aprendemos a desenterrar pressupostos e preconceitos que se escondem nos nossos hábitos herdados de pensar. E é por meio dessas descobertas, das possibilidades que elas encerram, que a filosofia nos ajuda também a ampliar o nosso escopo de ação, a intensificar a nossa liberdade. "Toda a aquisição de conhecimento é um alargamento do Eu", disse Russell. Transformados em outras pessoas, agora com atenção filosófica aguçada e afiada, vocês naturalmente transformarão também a sociedade. "O espírito característico da filosofia, se muitos o cultivarem cuidadosamente," disse Hume, "não poderá deixar de se difundir gradualmente por toda a sociedade e conferir uma similar exatidão a todo ofício e vocação".
Não há dúvida de que o nosso país, a nossa sociedade, precisa mais do que nunca da filosofia. Sócrates exortava os seus concidadãos a conhecerem a si mesmos, ele dizia que uma vida não-examinada não é digna de ser vivida. O momento que vivemos demanda uma radicalização do ensinamento socrático. Não é apenas o indivíduo, mas sobretudo a sociedade que precisa se examinar. Uma sociedade que tem dificuldade de enxergar o valor do conhecimento é uma sociedade que não cuida de si mesma e, no limite, deixa de amar a si mesma. A filósofa bell hooks me ensinou que não há amor onde há abuso e desrespeito. Ora, quer desrespeito maior que o cultivo da ignorância que inviabiliza o cuidado adequado de si? Precisamos exemplificar e emanar a cada respiração o amor pelo conhecimento. A reflexão que amplia a consciência que a sociedade tem de si mesma precisa ser levada a todos os cantos. Não podemos deixar a sociedade acostumada demais ao hábito de não se questionar. Assim, eu convido vocês, agora filósofas e filósofos, a continuar fazendo aquilo que sempre fizemos muito bem: incomodar. Incomodemos com as nossas críticas e pedidos de explicação e justificação. Incomodemos com as nossas distinções intermináveis para por ordem na casa. Incomodemos com os nossos argumentos para melhor fundamentar as nossas posições. Mas não incomodemos por incomodar, incomodemos para nos alargar e ter mais possibilidades de ação ao nosso dispor. Quando Clifford nos chateia dizendo que se não temos tempo para investigar, então não deveríamos ter tempo para acreditar, ele o faz por amor ao próximo, por enxergar quão perigosas e maléficas para a sociedade podem ser as crenças cegas e infundadas. Incomodem porque se importam.
Certa vez, ao se despedir da disciplina, uma aluna me disse: "espero que sigas transformando mundos (universos pessoais), assim como me transformei com a sua disciplina". Pois é o que desejo a vocês, continuem se transformando e transformem o mundo e mundos (universos pessoais) com a filosofia.
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