A esperança não é um comportamento natural como a dor, ela é construída culturalmente. Um bebê já nasce com a capacidade de manifestar a dor, mas não a esperança. No entanto, a expectativa já pode ser observada na mais tenra infância e servir de base para o comportamento mais complexo da esperança. A expectativa envolve a capacidade de representar algo que não existe ou um evento que ainda não ocorreu. A expectativa desperta espanto, surpresa ou frustração quando o evento imaginando não ocorre como esperado. Ter a capacidade de pensar o futuro é uma condição necessária para a expectativa, mas não é suficiente para ela. Pode-se pensar um evento futuro sem esperá-lo. Seria, então, a presença do desejo de que o evento futuro ocorra a condição suficiente? Não estou certo, pois parece perfeitamente possível esperar um evento sem desejar que ele ocorra. A partir do que li no jornal hoje, tenho a expectativa de que fará calor amanhã. Ficarei surpreso se não fizer. Mas não desejo isso. Talvez a condição suficiente seja a sensação de angústia que acompanha o pensamento do evento futuro. Não, embora essa sensação acompanhe alguns pensamentos de eventos futuros, ela não acompanha qualquer pensamento de eventos futuros. Ela parece acompanhar apenas aqueles eventos futuros cuja ocorrência seja importante para nós, isto é, aqueles eventos que desejamos que ocorra ou, ao contrário, que desejamos que não ocorra. Mas já disse que pode haver expectativa sem desejo. Se não há como reduzir a expectativa a um pensamento em um evento futuro mais uma sensação como o desejo e a angústia, então as chances de que a própria expectativa seja uma sensação básica aumenta. Esperar um evento seria, então, de maneira semelhante ao desejo, um modo básico de se relacionar com um estado de coisas futuro. Outra possibilidade é dizer que a expectativa é não o pensamento, mas simplesmente a crença na ocorrência de um evento futuro, o que harmoniza bem com o fato sugerido acima de que a expectativa pode não ser acompanhada pelo desejo ou pela angústia.
Voltei ao assunto da ética da crença (veja aqui a minha contribuição anterior 194 ) para escrever um texto que possivelmente será publicado como um verbete em um compêndio de epistemologia. Nesta entrada, decidi enfatizar três maneiras pelas quais a discussão sobre normas para crer se relaciona com a ética, algo que nem sempre fica claro neste debate: (1) normas morais servem de analogia para pensar normas para a crença, ainda que os domínios normativos, o epistêmico e o moral, sejam distintos; (2) razões morais são os fundamentos últimos para adotar uma norma para crer e (3) razões morais podem incidir diretamente sobre a legitimidade de uma crença, a crença (o ato de crer) não seria assim um fenômeno puramente epistêmico. O item (3) representa sem dúvida a maneira mais forte pela qual, neste debate, epistemologia e ética se entrelaçam. Sobre ele, abordei sobretudo o trabalho da Rima Basu que, a meu ver, é uma das contribuições recentes mais interessantes e inovadoras ao debate da ét...
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