Passamos a maior parte do tempo desatentos para o que vivemos e sentimos. Ao final de um dia, são poucas as lembranças razoavelmente vibrantes que temos das quase 16 ou mais horas vividas. Assim, em um certo sentido, podemos dizer que passamos a maior parte do tempo alheios a nós mesmos. O ser humano se desconhece. No entanto, ao dizer isso, suponho que me conhecer envolveria ter consciência constante da minha própria experiência, isto é, que ao viver, eu deveria me acompanhar introspectivamente para ter uma compreensão mais clara do que sou ou vivi. Eu me pergunto se essa presença constante de si diante de si, além de impraticável, não seria também sufocante se possível. Um eu que se policia o tempo inteiro é um eu que se esmaga, sente o fardo da sua existência. Não é claro também que obtemos mais conhecimento do Eu prestando mais atenção nas experiências e nos sentimentos do que no conteúdo dessas experiência e sentimentos. Ambas as coisas parecem ter relevância. Conheço coisas diferentes ao ver uma árvore, por um lado, e ao me perceber vendo uma árvore, por outro. Mas ambas as coisas dizem respeito a mim, embora a primeira visão traga informação mais precisa sobre o mundo, já que ele é o foco da atenção. O que conheço de mim quando simplesmente vivo, quando vejo uma árvore sem ter consciência (de segunda ordem) de que estou a vê-la? Quando percebo o mundo, conheço, ainda que de maneira indireta e não reflexiva, a minha própria maneira de explorar o mundo. Obtenho um conhecimento prático do meu ferramental perceptivo. Se a minha vida fosse completamente introspectiva, eu perderia essa dimensão do meu ser, eu desconheceria as minhas maneiras possíveis de perceber e explorar o mundo. Eu também me conheceria menos, eu também estaria alheio ao meu próprio Eu. Sendo assim, parece-me razoável dizer que precisamos de um equilíbrio entre introspecção e percepção para o auto-conhecimento. Ademais, a introspecção não é infalível, podemos nos iludir sobre a própria experiência da mesma maneira como nos iludimos em uma ilusão de ótica.
Voltei ao assunto da ética da crença (veja aqui a minha contribuição anterior 194 ) para escrever um texto que possivelmente será publicado como um verbete em um compêndio de epistemologia. Nesta entrada, decidi enfatizar três maneiras pelas quais a discussão sobre normas para crer se relaciona com a ética, algo que nem sempre fica claro neste debate: (1) normas morais servem de analogia para pensar normas para a crença, ainda que os domínios normativos, o epistêmico e o moral, sejam distintos; (2) razões morais são os fundamentos últimos para adotar uma norma para crer e (3) razões morais podem incidir diretamente sobre a legitimidade de uma crença, a crença (o ato de crer) não seria assim um fenômeno puramente epistêmico. O item (3) representa sem dúvida a maneira mais forte pela qual, neste debate, epistemologia e ética se entrelaçam. Sobre ele, abordei sobretudo o trabalho da Rima Basu que, a meu ver, é uma das contribuições recentes mais interessantes e inovadoras ao debate da ét...
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