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Trago à baila novamente a questão sobre se há um gênero literário mais apropriado para a expressão da filosofia. Quatro filósofos respondem à questão, lá no final da entrevista, a última. Nenhum deles, é verdade, diz algo de muito interessante ou que já não fosse esperado. Todos parecem estar acomodados com a hegemonia do gênero acadêmico. Apenas um deles nota o hermetismo provocado pelo pedantismo acadêmico. O diálogo é lembrado por Barry Stroud como gênero notável para a expressão filosófica, mas de difícil realização. Curioso nenhum deles ter lembrado do ensaio. 

Claro que expressar a filosofia em forma de prosa lhe permite uma articulação maior das idéias e um texto que procura explicitamente apresentar argumentos e justificativas para uma idéia filosófica é, digamos, mais filosófico que um outro que apenas apresenta essa idéia. Mas o que seja uma justificativa também para uma idéia é algo variável. Nada impede que uma idéia moral, por exemplo, seja justificada em um romance por metáfora ou pela descrição da vivência de uma situação.  

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