Liberdade negativa ou liberdade da espontaneidade é a capacidade que o indivíduo tem de agir segundo a sua vontade ou desejo (Hobbes, Hume). Na ausência de obstáculos, se o sujeito tem uma vontade, ele é capaz de realizar a ação que satisfaz essa vontade e dizemos que a ação foi livre mesmo que a sua vontade tivesse sido determinada por algum processo causal anterior, provavelmente inconsciente. Esse tipo de liberdade parece ser essencial para a atribuição de responsabilidade. Se não vemos o sujeito como produtor da sua ação, não tendemos a lhe imputar responsabilidade pela ação resultante. Se o braço do indivíduo A é movido por B para atingir C, não diremos que A é responsável pela dor causada em C, já que a ação de bater em C com o seu braço não foi produzida por ele, nem emergiu de alguma vontade sua.
Guardemos essa intuição sobre a atribuição de responsabilidade: o sujeito deve ser o produtor da sua ação, devemos percebê-lo como sendo a causa da sua ação, isto é, ela tem de partir da sua vontade.
Por outro lado, uma segunda intuição que temos sobre a atribuição de responsabilidade, que, na verdade, podemos entender como sendo a contraparte negativa da primeira intuição, é que a ação não pode ter sido coagida ou compelida, isto é, nenhuma causa externa deve ter compelido o sujeito à ação resultante. Enquanto a primeira intuição nos leva à liberdade da espontaneidade, demandando-nos ver a vontade do sujeito como causa da sua ação, a segunda intuição nos leva à noção de liberdade de indiferença (Kant), demandando-nos ver a vontade do sujeito como não necessitada por nada, pois, de outro modo, temos a impressão de que o sujeito foi compelido a agir. A liberdade de indiferença não pode ser atribuída à ação sem ferir a primeira intuição, pois se as ações não são necessitadas, ferimos a primeira intuição, isto é, não vemos o sujeito como produtor destas ações e assim tampouco lhe atribuiríamos responsabilidade. A liberdade de indiferença deve ser aplicada à vontade.
E a dificuldade grave é que, enquanto a liberdade da espontaneidade junto com a primeira intuição da atribuição de responsabilidade pressupõem a necessidade, isto é, a relação causal entre eventos, pois temos de ver o sujeito como causa da sua ação, a liberdade da indiferença junto com a segunda intuição negam a necessidade entre eventos, pois temos de ver a vontade do indivíduo como não-necessitada, como não causada por nada.
E não pára por aí: se a vontade do sujeito é completamente indeterminada, não-causada, qualquer ação do sujeito parecer-nos-á arbitrária, tanto quanto a sua vontade. Neste cenário, mesmo a vontade sendo a causa da ação, pelo fato de a primeira ser arbitrária, veremos a segunda também do mesmo modo, ferindo, assim, a primeira intuição da atribuição de responsabilidade. Em outras palavras, a primeira intuição parece demandar não apenas que a vontade do sujeito seja a causa da sua ação, mas que esta vontade esteja, de alguma forma, assentada em algo mais sólido, que ela nos soe coerente e compatível com o sujeito. Esse terreno mais sólido do qual deve provir a vontade causadora da ação, Hume chama de 'caráter'. Não à toa, à medida que vamos conhecendo o caráter de Raskólnikov, abrandamos a culpa que lhe atribuímos pelo assassinato da velhinha. Sua ação de homicídio não emergiu de uma vontade que nos pareça enraizada em seu caráter; ela nos soa mais como o produto de fatores circunstanciais dos quais Raskólnikov não tinha controle e, justamente por isso, por não notarmos uma vontade homicida no seu caráter, abrandamos o nosso julgamento.
Isso nos força a pensar que talvez a segunda intuição da atribuição de responsabilidade deva ser atendida de outro modo, sem requerer a liberdade de indiferença. O que conta como sendo uma ação compelida ou não não deve depender de uma vontade não-necessitada, devemos ter outros critérios para essa distinção.
Guardemos essa intuição sobre a atribuição de responsabilidade: o sujeito deve ser o produtor da sua ação, devemos percebê-lo como sendo a causa da sua ação, isto é, ela tem de partir da sua vontade.
Por outro lado, uma segunda intuição que temos sobre a atribuição de responsabilidade, que, na verdade, podemos entender como sendo a contraparte negativa da primeira intuição, é que a ação não pode ter sido coagida ou compelida, isto é, nenhuma causa externa deve ter compelido o sujeito à ação resultante. Enquanto a primeira intuição nos leva à liberdade da espontaneidade, demandando-nos ver a vontade do sujeito como causa da sua ação, a segunda intuição nos leva à noção de liberdade de indiferença (Kant), demandando-nos ver a vontade do sujeito como não necessitada por nada, pois, de outro modo, temos a impressão de que o sujeito foi compelido a agir. A liberdade de indiferença não pode ser atribuída à ação sem ferir a primeira intuição, pois se as ações não são necessitadas, ferimos a primeira intuição, isto é, não vemos o sujeito como produtor destas ações e assim tampouco lhe atribuiríamos responsabilidade. A liberdade de indiferença deve ser aplicada à vontade.
E a dificuldade grave é que, enquanto a liberdade da espontaneidade junto com a primeira intuição da atribuição de responsabilidade pressupõem a necessidade, isto é, a relação causal entre eventos, pois temos de ver o sujeito como causa da sua ação, a liberdade da indiferença junto com a segunda intuição negam a necessidade entre eventos, pois temos de ver a vontade do indivíduo como não-necessitada, como não causada por nada.
E não pára por aí: se a vontade do sujeito é completamente indeterminada, não-causada, qualquer ação do sujeito parecer-nos-á arbitrária, tanto quanto a sua vontade. Neste cenário, mesmo a vontade sendo a causa da ação, pelo fato de a primeira ser arbitrária, veremos a segunda também do mesmo modo, ferindo, assim, a primeira intuição da atribuição de responsabilidade. Em outras palavras, a primeira intuição parece demandar não apenas que a vontade do sujeito seja a causa da sua ação, mas que esta vontade esteja, de alguma forma, assentada em algo mais sólido, que ela nos soe coerente e compatível com o sujeito. Esse terreno mais sólido do qual deve provir a vontade causadora da ação, Hume chama de 'caráter'. Não à toa, à medida que vamos conhecendo o caráter de Raskólnikov, abrandamos a culpa que lhe atribuímos pelo assassinato da velhinha. Sua ação de homicídio não emergiu de uma vontade que nos pareça enraizada em seu caráter; ela nos soa mais como o produto de fatores circunstanciais dos quais Raskólnikov não tinha controle e, justamente por isso, por não notarmos uma vontade homicida no seu caráter, abrandamos o nosso julgamento.
Isso nos força a pensar que talvez a segunda intuição da atribuição de responsabilidade deva ser atendida de outro modo, sem requerer a liberdade de indiferença. O que conta como sendo uma ação compelida ou não não deve depender de uma vontade não-necessitada, devemos ter outros critérios para essa distinção.
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