Mesmo conceitos vazios ou quase-vazios servem para alguma coisa. Não falo obviamente do vazio da matemática que tem uma função muito bem definida na teoria dos conjuntos. Falo do 'Eu', conceito tão vazio quanto o zero à esquerda. Digo 'vazio' pela pouca ou mesmo nada de informação que ele carrega. Quando escutamos alguém dizer 'Eu fui ontem na praça do Expedicionário', ainda que o falante nos seja um completo desconhecido, identificamos a referência do 'Eu' como sendo a pessoa que profere a frase. Nada mais sabemos, nenhuma outra informação é obtida, podemos desconhecer o caráter desse sujeito por completo, ele pode ser para mim um completo desconhecido. O 'Eu', assim, me dá apenas a informação categorial de que a sua referência, identificada apenas no ato de proferimento, é um agente ou uma pessoa. Mesmo quando o 'Eu' é avaliado na perspectiva da primeira pessoa, mesmo quando eu uso o 'Eu' para falar algo de mim mesmo, ainda aqui o 'Eu' é usado sem pressupor qualquer informação sobre a minha pessoa. Posso acordar com uma amnésia completa e ainda assim usar o 'Eu' para coordenar as minha ações, por exemplo, para relatar o meu estado: 'Eu não sei quem eu sou'. 'Eu' aí se refere a mim e quem sou eu? Não sei, nem preciso saber para estar em condições de usar o conceito 'Eu' adequadamente. 'Eu' ali apenas localiza um indivíduo do mundo como o agente da ação, sem nada pressupor ou desvelar sobre esse indivíduo, a não ser que ele tem as características de um agente.
Voltei ao assunto da ética da crença (veja aqui a minha contribuição anterior 194 ) para escrever um texto que possivelmente será publicado como um verbete em um compêndio de epistemologia. Nesta entrada, decidi enfatizar três maneiras pelas quais a discussão sobre normas para crer se relaciona com a ética, algo que nem sempre fica claro neste debate: (1) normas morais servem de analogia para pensar normas para a crença, ainda que os domínios normativos, o epistêmico e o moral, sejam distintos; (2) razões morais são os fundamentos últimos para adotar uma norma para crer e (3) razões morais podem incidir diretamente sobre a legitimidade de uma crença, a crença (o ato de crer) não seria assim um fenômeno puramente epistêmico. O item (3) representa sem dúvida a maneira mais forte pela qual, neste debate, epistemologia e ética se entrelaçam. Sobre ele, abordei sobretudo o trabalho da Rima Basu que, a meu ver, é uma das contribuições recentes mais interessantes e inovadoras ao debate da ét...
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