Mesmo conceitos vazios ou quase-vazios servem para alguma coisa. Não falo obviamente do vazio da matemática que tem uma função muito bem definida na teoria dos conjuntos. Falo do 'Eu', conceito tão vazio quanto o zero à esquerda. Digo 'vazio' pela pouca ou mesmo nada de informação que ele carrega. Quando escutamos alguém dizer 'Eu fui ontem na praça do Expedicionário', ainda que o falante nos seja um completo desconhecido, identificamos a referência do 'Eu' como sendo a pessoa que profere a frase. Nada mais sabemos, nenhuma outra informação é obtida, podemos desconhecer o caráter desse sujeito por completo, ele pode ser para mim um completo desconhecido. O 'Eu', assim, me dá apenas a informação categorial de que a sua referência, identificada apenas no ato de proferimento, é um agente ou uma pessoa. Mesmo quando o 'Eu' é avaliado na perspectiva da primeira pessoa, mesmo quando eu uso o 'Eu' para falar algo de mim mesmo, ainda aqui o 'Eu' é usado sem pressupor qualquer informação sobre a minha pessoa. Posso acordar com uma amnésia completa e ainda assim usar o 'Eu' para coordenar as minha ações, por exemplo, para relatar o meu estado: 'Eu não sei quem eu sou'. 'Eu' aí se refere a mim e quem sou eu? Não sei, nem preciso saber para estar em condições de usar o conceito 'Eu' adequadamente. 'Eu' ali apenas localiza um indivíduo do mundo como o agente da ação, sem nada pressupor ou desvelar sobre esse indivíduo, a não ser que ele tem as características de um agente.
A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação é normalmente apresentada como marcando a diferença entre, por um lado, os processos de pensamento, teste e experimentação que de fato ocorreram em um laboratório ou em um ambiente de pesquisa e que levaram ou contribuíram para alguma descoberta científica e, de outro, os processos de justificação e validação dessa descoberta. Haveria, portanto, uma clara diferença entre descrever como cientistas chegaram a fazer certas alegações científicas, o que seria uma tarefa para as ciências empíricas, como a sociologia, a psicologia e a antropologia da ciência, e justificar essas alegações, o que seria uma tarefa para a epistemologia, uma disciplina normativa e não-empírica. Essa distinção é corriqueira em debates acerca do escopo da filosofia da ciência e teria sido explicitada inicialmente por Reichenbach. Contudo, quando examinamos a maneira como ele circunscreveu as tarefas da epistemologia, notamos que alguns elemento...
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