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[109] Conhecimento interessado

Essa busca desinteressada pela verdad tem lá as suas raízes psíquicas. Tratamento frio e imparcial do objeto de estudo, por maior que seja o seu furor em conhecê-lo. Pretensão de que o seu afeto pelo objeto não interfira no seu conhecimento do mesmo. Mas por que diabos preciso subtrair a minha subjetividade para adquirir um "conhecimento" do objeto. O modo como ele me afeta não pode ser uma via de acesso ao próprio objeto, a uma dimensão sua tão essencial quanto qualquer outra? A predominância da objetividade fria e distante tem uma base factual, social: a hegemonia extrovertida. É fato que os extrovertidos são maioria e que os objetos lhe afetam menos emotivamente. Isto é, a relação que eles têm com o mundo é pouco ou quase nada emotiva. Sua biologia é de tal forma constituída que lhes possibilita conhecer quase nada emotivamente. A emoção, como via de acesso a uma dimensão do mundo, é, para eles, embotada, embaçada. Para o introverso, ao contrário, essa via é tão transparente que não é incomum cegar-se com o excesso de realidade. Na justa medida, eles apreendem uma dimensão afectiva do objeto, seu colorido fenomênico e existencial. Se fôssemos realmente contextualizar o conhecimento, então a busca interesseada e emotiva da verdade deveria ter tanta legitimidade, para conhecedores-emotivos, quanto a busca desinteressada para conhecedores  sem ou de pouca sensibilidade.

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