Tenho um comprimisso comigo e com os outros, o de fazer bem a mim e a eles. É difícil não ver o bem como algo a ser perseguido e distribuído tanto a mim quanto aos outros. Às vezes, devo perseguir o bem dos outros mesmo quando ele implica algum mal para mim, desde que esse bem aos outros seja relativamente maior ao mal que ele me implica. Quem não quer assim se comprometer com os outros, por achar demasiado sacrifício de si, simplesmente não deve e não pode se relacionar com os outros. Deve escolher a trilha solitária em que o bem de si jamais envolve o bem dos outros. É uma escolha possível, que, no entanto, envolve desevencilhar-se de sua pessoalidade, envolve ver-se como algo que não é uma pessoa.
O Eu-solitário pode se revoltar diante do meu 'deve' categórico. Esse eu indignado dirá-me que não aceita essa obrigação, que se relacionará com os outros sim, mas, quando em conflito entre o seu bem e o dela, optará sempre, em qualquer situação, pelo seu bem. Pode até acontecer de, no curto prazo, ele optar pelo bem dela em detrimento do seu, mas somente se, no longo prazo, isso favorecer o seu bem e não o dela. Ele não sentirá remorso em descartar os outros quando achar necessário, quando for melhor para o seu bem, no curto ou no longo prazo.
A resposta que se pode dar a este Eu-solitário é que ele não compreendeu a dimensão racional implícita no meu 'deve'. Quando digo que ele não pode se relacionar com os outros sem se comprometer, sem estar disposto, em certas situações, a promover o bem delas a despeito de algum mal para si, quero com isto dizer que é racionalmente impossível fazê-lo. Talvez a distinção entre tratar o outro enquanto pessoa e tratar o outro enquanto objeto esclareça o ponto. Não há como relacionar-se com uma pessoa sem comprometer-se com o bem dela. O que se entende por relacionamentos e pessoa envolve essencialmente esse tipo de comprometimento. Se não há esse tipo de comprometimento, então o Eu-solitário pode até se relacionar com esse outro, mas não enquanto pessoa, talvez apenas enquanto objeto.
Se esse Eu-solitário acha que está se relacionando com os outros enquanto pessoas, mas não se compromete com o bem delas, então ele não compartilha o nosso entendimento do que são pessoas ou, se compartilha, age irracionalmente. Supondo que ele compartilhe, o seu comportamento irracional reiterado terá por consequëncia a sua exclusão social. Se ele não compartilha, o meio social poderá relevar o seu comportamento não-comprometido se tiver razões para julgar que o seu não-compartilhamento se deva a algum tipo de incapacidade mental ou cognitiva temporária (crianças) ou permanente (distúrbios mentais). Se essa incapacidade não é detectada, então ele cai no primeiro caso, talvez com o atenuante de não saber o tipo de comprometimento que está envolvido no tratamento do outro enquanto pessoa, embora tenha todas as condições de obter esse conhecimento.
Que vida tem aquele Eu-solitário que escolhe consciente a sua trilha desvencilhada de toda pessoalidade? Como ele se sente? Como ele se percebe? Uma coisa é certa: no plano dos significados, ele jamais perceberá o significado de amar e ser amado. A vida do seu ser será encarada como a vida de um corpo, ela estará encerrada na vida de um corpo. As suas possibilidades de experiência estarão limitadas às experiências corporais.
A experiência de amar e a de ser amado são experiências de pessoas. Corpos não podem ter esse tipo de experiência. Sua escolha, se consciente, carrega a triste compreensão desta limitação. É como a compreensão da cegueira adquirida: a consciência triste do colorido perdido diante da escuridão presente. Há, na verdade, uma diferença, já que estamos supondo consciente a escolha do Eu-solitário e, deste modo, não lhe podemos ver frustrado pela sua perda. O cego, ao contrário, frusta-se diariamente com o colorido perdido, já que não escolheu perdê-lo. Porém, a ausência desta frustração será suficiente para impedir o Eu-solitário de se importar ou de se angustiar com o que foi perdido? Não sei. Mas é razoável supor que a consciência da perda, mesmo quando resultante de uma escolha consciente, tenha algum efeito na percepção do seu bem-estar.
Se sua escolha não é consciente, o Eu-solitário se ressentirá cada vez mais ao perceber progressivamente a sua desocialização e despessoalização. Como não é consciente da sua escolha, não se percebe como causa da sua trilha solitária. Acentua o seu ódio pelos outros, atribuindo-lhes a culpa pela sua crescente solidão sentida. Este Eu-solitário tem uma vida ainda mais miserável. Ele se vê encerrado em um corpo, mas, diferentemente do outro que ali chegou livremente consciente, ele atribui o seu aprisionamento aos outros. Ele não se sente livre, ele não toma total responsabilidade pela vida corporal a qual foi confinado e sente que a sua pessoalidade lhe foi roubada. Este Eu-solitário se sente ressentido e injustiçado, ele simplesmente não sente a sua vida como sendo sua.
O Eu-solitário pode se revoltar diante do meu 'deve' categórico. Esse eu indignado dirá-me que não aceita essa obrigação, que se relacionará com os outros sim, mas, quando em conflito entre o seu bem e o dela, optará sempre, em qualquer situação, pelo seu bem. Pode até acontecer de, no curto prazo, ele optar pelo bem dela em detrimento do seu, mas somente se, no longo prazo, isso favorecer o seu bem e não o dela. Ele não sentirá remorso em descartar os outros quando achar necessário, quando for melhor para o seu bem, no curto ou no longo prazo.
A resposta que se pode dar a este Eu-solitário é que ele não compreendeu a dimensão racional implícita no meu 'deve'. Quando digo que ele não pode se relacionar com os outros sem se comprometer, sem estar disposto, em certas situações, a promover o bem delas a despeito de algum mal para si, quero com isto dizer que é racionalmente impossível fazê-lo. Talvez a distinção entre tratar o outro enquanto pessoa e tratar o outro enquanto objeto esclareça o ponto. Não há como relacionar-se com uma pessoa sem comprometer-se com o bem dela. O que se entende por relacionamentos e pessoa envolve essencialmente esse tipo de comprometimento. Se não há esse tipo de comprometimento, então o Eu-solitário pode até se relacionar com esse outro, mas não enquanto pessoa, talvez apenas enquanto objeto.
Se esse Eu-solitário acha que está se relacionando com os outros enquanto pessoas, mas não se compromete com o bem delas, então ele não compartilha o nosso entendimento do que são pessoas ou, se compartilha, age irracionalmente. Supondo que ele compartilhe, o seu comportamento irracional reiterado terá por consequëncia a sua exclusão social. Se ele não compartilha, o meio social poderá relevar o seu comportamento não-comprometido se tiver razões para julgar que o seu não-compartilhamento se deva a algum tipo de incapacidade mental ou cognitiva temporária (crianças) ou permanente (distúrbios mentais). Se essa incapacidade não é detectada, então ele cai no primeiro caso, talvez com o atenuante de não saber o tipo de comprometimento que está envolvido no tratamento do outro enquanto pessoa, embora tenha todas as condições de obter esse conhecimento.
Que vida tem aquele Eu-solitário que escolhe consciente a sua trilha desvencilhada de toda pessoalidade? Como ele se sente? Como ele se percebe? Uma coisa é certa: no plano dos significados, ele jamais perceberá o significado de amar e ser amado. A vida do seu ser será encarada como a vida de um corpo, ela estará encerrada na vida de um corpo. As suas possibilidades de experiência estarão limitadas às experiências corporais.
A experiência de amar e a de ser amado são experiências de pessoas. Corpos não podem ter esse tipo de experiência. Sua escolha, se consciente, carrega a triste compreensão desta limitação. É como a compreensão da cegueira adquirida: a consciência triste do colorido perdido diante da escuridão presente. Há, na verdade, uma diferença, já que estamos supondo consciente a escolha do Eu-solitário e, deste modo, não lhe podemos ver frustrado pela sua perda. O cego, ao contrário, frusta-se diariamente com o colorido perdido, já que não escolheu perdê-lo. Porém, a ausência desta frustração será suficiente para impedir o Eu-solitário de se importar ou de se angustiar com o que foi perdido? Não sei. Mas é razoável supor que a consciência da perda, mesmo quando resultante de uma escolha consciente, tenha algum efeito na percepção do seu bem-estar.
Se sua escolha não é consciente, o Eu-solitário se ressentirá cada vez mais ao perceber progressivamente a sua desocialização e despessoalização. Como não é consciente da sua escolha, não se percebe como causa da sua trilha solitária. Acentua o seu ódio pelos outros, atribuindo-lhes a culpa pela sua crescente solidão sentida. Este Eu-solitário tem uma vida ainda mais miserável. Ele se vê encerrado em um corpo, mas, diferentemente do outro que ali chegou livremente consciente, ele atribui o seu aprisionamento aos outros. Ele não se sente livre, ele não toma total responsabilidade pela vida corporal a qual foi confinado e sente que a sua pessoalidade lhe foi roubada. Este Eu-solitário se sente ressentido e injustiçado, ele simplesmente não sente a sua vida como sendo sua.
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