1. A resposta contextualista. Trata-se de uma resposta que dá razão tanto ao cético quanto ao homem ordinário. O homem ordinário está certo ao exigir pouco da justificação e do conhecimento, pois os contextos em que ele se justifica e conhece são contextos em que a atribuição de justificação e conhecimento não demanda a eliminação da possibilidade de erro. Em outras palavras, é como se o contextualista estivesse dizendo que há distintos usos de 'justificar' e 'conhecer'. Teríamos, então, se usássemos termos distintos, o 'justificar_cético' e o 'justificar_ordinário'. O critério para a aplicação do 'justificar_cético' envolve a eliminação da possibilidade de erro. O critério para a aplicação do 'justificar_ordinário' é, curiosamente, até mais complicado, envolve, para cada situação ordinária, eliminar as possibilidades de erro relevantes para aquela situação. Apesar de o critério de 'jusitifcar_ordinário' ser mais complexo, por sorte, é algo que facilmente, sem muita reflexão, aprendemos e incorporamos pela prática.
2. Onde eu quero chegar? O contextualismo parece-me esvaziar um pouco o aspecto normativo do justificar e do conhecer, concentrando-se apenas em descrever práticas distintas envolvendo o uso dos termos 'justificar' e 'conhecer'. Desde que o cético use o 'justificar_cético' em contextos céticos e o homem ordinário use o 'justificar_ordinário' em contextos ordinários, estão todos corretos e não há qualquer disputa ou oposição. Se algum deles se equivoca, usando um conceito no contexto errado, lhe chamamos a atenção. Aqui sim, temos uma dimensão normativa, mas não é a normatividade do justificar e do saber, é a normatividade lingüística: usar a palavra certa na situação certa.
3. De onde vem esta distinção entre contexto cético e contexto ordinário? O que a justifica?
4. Há alguma normatividade própria do justificar e do conhecer que não seja completamente redutível à normatividade do uso de 'justificar' e do 'conhecer'? Se há, esta normatividade não nos poderia dar algum indício sobre se há tal coisa como um contexto cético?
5. Vejamos 4 situações extraídas do mais que inspirador Da Certeza, do Wittgenstein.
5.1. Tipo 1: o louco.
[217. Se alguém supusesse que todos os cálculos eram incertos e que não podíamos confiar em nenhum (justificando-se dizendo que os erros são sempre possíveis), talvez disséssemos que era doido].
5.2. Tipo 2: o demente.
[155. Se Moore proferisse proposições contrárias às que ele declara certas, não deixaríamos apenas de partilhar a sua opinião: considerá-lo-íamos demente].
5.3. Tipo 3: o filósofo.
[467. Estou sentado com um filósofo no jardim; ele diz repetidamente "Eu sei que aquilo é uma árvore", apontando para uma árvore próxima de nós. Outra pessoa chega e ouvi isto e eu digo-lhe: "este tipo não é doido". Estamos a filosofar].
5.4. Tipo 4: o homem ordinário.
[220. O Homem sensato não tem certas dúvidas].
6. Duvidar exagerada e arbitrariamente é sinal de loucura ou demência. Wittgenstein, no caso do filósofo, parece abrir uma exceção, como se a nossa sociedade, por demais habituada com as suas extravagâncias inofensivas, lhe poupasse a atribuição de loucura. O fato de serem inofensivas é capital. A distinção entre dúvida teórica e prática é fundamental para a sobrevivência do filósofo no meio social. Sem ela, ele seria tratado como sujeito do tipo 1 ou do tipo 2. Ao fazer estas considerações, não parece que a normatividade do justificar e do conhecer tem absolutamente tudo a ver com a normatividade do que é racional e do que não é?
7. Então este é o meu ponto, ainda em estágio bem confuso, reconheço: o que baliza a concepção fraca de justificação, a justificação prima facie são considerações sobre o que é racional fazer, o que é sensato. Não se refuta o cético jogando o seu jogo, mas apontando a sua irracionalidade. Epa, isto soou muito forte e dogmático. Na verdade, não sei o que dizer, não sei se a melhor resposta é a do aforisma 467, isto é, o cético não é louco, nem irracional, é apenas alguém peculiar, tem a mente de um cético e, portanto, merece um tratamento diferenciado. Com uma certa licença poética, eu diria que o cético é um louco são; ele é suficientemente são parar perceber a sua loucura e dar vazão a ela apenas no confinamento de um gabinete ou na presença dos seus pares, outros loucos sãos, jamais, no entanto, na prática, assegurando-se, assim, de não suscitar no resto da sociedade a dúvida sobre a sua sobriedade, mas ele é minimamente louco, pois mantém dúvidas e suspeitas que nenhum homem sensato mantém.
8. É óbvio que eu estou errado, é óbvio que o cético não é louco ou irracional. Mas o único jeito do cético estar errado é sendo irracional. Mas ainda estou muito longe de conseguir apresentar isso de uma maneira clara e elegante. Estou muito longe de provar a verdade do condicional [Se o cético é irracional, então ele está errado em suas considerações epistêmicas] e a verdade do antecedente, [o cético é irracional], para, então, refutá-lo com o auxílio do modus ponens.
9. Por que é tão difícil provar que o cético é irracional? Quando entramos no terreno das teorias da racionalidade ( e este é um terreno que conheço pouco e, portanto, o que eu vou falar agora é ainda mais confuso), o cético tem a seu favor uma perene e robusta tradição filosófica que formula teorias do que é ser racional tendo por base agentes ideais em situações e condições ideais. Dificilmente o cético soará irracional quando o seu comportamento for iluminado por estas teorias. Há outras teorias mais recentes, a do Pollock, por exemplo, e a de um outro cara, Christopher Cherniak, que, aliás, tem um livro muito, muito interessante sobre o assunto, "Minimal Rationality", em que se tenta discutir o que é ser racional para agentes concretos, com recursos limitados em situações concretas. Iluminado por estas teorias, há chances bem maiores de o cético ser descrito como irracional. É claro que a esta altura o cético já está rindo de mim, pois ele me jogará de volta ao plano epistêmico e me dirá que não tenho razões para saber qual é a teoria correta sobre a racionalidade. Sendo assim, não tenho como concluir pela sua irracionalidade e muito menos bloquear as suas suspeitas epistêmicas. Na verdade, o cético transformará o meu modus ponens no seu modus tolens. Touché!
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