No seguinte paradoxo, podemos inicialmente ser levados a pensar que o problema está na auto-referência: (1) Esta sentença é falsa. A sentença (1) afirma de si mesma que ela é falsa. Se ela é falsa, então o que ela afirma de si é verdadeira. Mas se ela é verdadeira, então ela é falsa, já que ela afirma de si mesma ser falsa. Em qualquer caso,temos uma contradição. Pode-se sugerir que obtemos essa situação paradoxal em virtude da auto-referência. Mas podemos formular o paradoxo sem auto-referência. Podemos formulá-lo com mútua referência ou circularidade:
(2) A frase (3) é falsa.
(3) A frase (2) é verdadeira.
Se a frase (2) é verdadeira, então ela afirma da frase (3) que ela é falsa. Se a frase (3) é falsa, então não é verdade o que ela afirma (2). Mas (3) afirma de dois que ela é verdadeira. Se isto é falso, então(2) é falsa. O que é contraditório. Se a frase (2) é falsa, então o que ela afirma (3) não é verdadeiro. (2) afirma de (3) que ela é falsa. Então, se (2) é falsa, (3) é verdadeira. Mas se (3) é verdadeira, o que ela afirma de (2) é verdadeiro. (3) afirma de (2) que (2) é verdadeiro. Então, contrariamente a suposição, (2) é verdadeira. Novamente, temos uma contradição. Uma maneira de tentar dizer resistir a este paradoxo é dizer que (2) e (3) não têm, na verdade, sentido. Apesar de serem sentenças bem formadas e de não pressuporem a auto-referência, há uma certa circularidade infinita na determinação do seu conteúdo assertivo que bloqueia a idéia de que elas realmente tenham um sentido determinado. (2) afirma algo de (3), a saber, que, aquilo que é afirmado por (3), digamos, p, é falso. Em outras palavras, (2) atribui o predicado "é falso" ao conteúdo assertivo de (3), que vamos chamar de p. Só podemos atribuir o predicado "é falso" para um conteúdo determinado. Vejamos, então, qual é o conteúdo de (3) ou, se quisermos, de p. (3) afirma algo de (2), a saber, que, aquilo que é afirmado por (2), digamos, q, é verdadeiro. Em outras palavras, (3) atribui o predicado "é verdadeiro"ao conteúdo assertivo de (2), que vamos chamar de q. Só podemos atribuir o predicado "é verdadeiro" para um conteúdo determinado. Então temos a seguinte situação circular: o conteúdo assertivo p diz algo a respeito do conteúdo assertivo q. Ou seja, p tem q como constituinte do seu conteúdo. Mas o conteúdo assertivo q também diz algo a respeito do conteúdo assertivo p. Ou seja, q tem p como constituinte do seu conteúdo. O conteúdo de p só se determina se determinamos o conteúdo de q e o conteúdo de q só se determina se determinamos o conteúdo de p. Parece, então, que a determinação de ambos os conteúdos nunca se alcança, já que o processo de determinar o conteúdo entra em um loop infinito. Aqui já podemos levantar uma questão: os conteúdos poderiam estar determinados sem que haja um processo para determiná-lo? Dificilmente, já que isso pressuporia reificar o conteúdo. Um conteúdo assertivo é um conteúdo para alguém, isto é, alguém tem de ser capaz de compreender este conteúdo. Mas que alguém? Um processo para determinar o conteúdo que transcorre infinitamente é insuficiente para determinar o conteúdo? Sim, se dissermos que um conteúdo só é determinado se, num instante t, o processo que o determina finaliza. Isto pressupõe que algo só pode estar determinado num instante preciso. Se, ao contrário, relaxarmos a restrição e aceitarmos que algo pode estar determinado no infinito, por mais vago que isto soe, então um processo que se prolonga infinitamente é suficiente para determinar um conteúdo. Deixemos um pouco de lado esta questão e voltemos às formulações do paradoxo. Há uma versão que além de não pressupor a auto-referência também não faz uso da circularidade. Vejamos:
Para todo n > 0
(S1) Para todo k>1, Sk é falso.
(S2) Para todo k>2, Sk é falso.
(S3) Para todo k>3, Sk é falso. . . .
(S1) afirma de qualquer (Sk), onde k > 1, que (Sk) é falso. Se (Sn) é verdadeiro, então (a) (Sn+1) é falsa e (b) para todo k > n+1,(Sk) é falso. Se, para todo k > n+1, (Sk) é falso, então (Sn+1) é verdadeiro, o que é contraditório. Se (Sn) é falso, então, para algum k > 1, (Sk) é verdadeiro. Mas, se (Sk) é verdadeiro, obtemos novamente uma contradição. Se não é verdade que, para algum k > 1, (Sk) é verdadeiro, então, para todo k >1, (Sk) é falso. Novamente, contradição. A crítica de circularidade anteriormente feita à determinação do conteúdo não pode ser avançada agora. O conteúdo de (S1) não se refere ao conteúdo de uma outra sentença, digamos, (S2) que, por sua vez, se refere ao conteúdo de (S1). No entanto, talvez ainda se possa defender que o conteúdo de (S1) não é determinado porque ele depende da determinação de uma infinidade de sentenças (Sk). O conteúdo de (S1) afirma de uma infinidade de sentenças que elas são falsas. Cada uma dessas sentenças, por sua vez, afirma também de uma infinidade de sentenças que elas são falsas. Assim, para cada sentença (Sk), seu conteúdo é determinada se o conteúdo de uma infinidade de infinidades de infinidades...de sentenças é também determinado. E o crítico poderá dizer que isso não é possível para um sujeito concreto. Esta não é, no entanto, uma limitação severa? É interessante distinguir aqui assertivas para as quais não há qualquer processo para determinar o seu conteúdo de assertivas para as quais há tal processo. As primeiras sim são sem sentido, mas talvez não as segundas. No caso das segundas, o que se argumenta é que, se o processo transcorre infinitamente, então o conteúdo não se determina e, portanto, a assertiva não tem sentido. Já apontamos que este argumento pressupõe que um conteúdo só pode estar determinado se, num instante t, o processo que o determina finaliza. Ou seja, pressupomos uma concepção finitária da determinação de um conteúdo. Uma concepção infinitária da determinação do conteúdo relaxa esta restrição, e aceita que um conteúdo esteja determinado desde que haja um processo para determiná-lo, ainda que o processo transcorra infinitamente. No entanto, desde que haja este processo e possamos efetivamente segui-lo, passo a passo, podemos nos referir ao conteúdo como determinado. Podemos, inclusive, nomear este conteúdo, por exemplo, por 'p'. Há um fato curioso quando contemplamos esta sequência de formulações do paradoxo discutido. A auto-referência pôde ser substituída pela circularidade infinita a qual, por sua vez, pôde ser substituída pela infinidade de infinidades. Essa é uma sequência de equivalentes ou fomos trocando o mais barato pelo mais caro? Isto é, a auto-referência envolve intrinsecamente uma infinidade de infinidades?
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