Em [125], relacionei os predicados "ser livre" e "estar em um estado de compulsão". Interpretei ambos gradualmente e defendi que quanto mais um sujeito se encontra em um estado compulsivo, menos ele é livre. Nada disse sobre a relação reversa. O sujeito ser menos livre por outras razões é algo que ainda deixo em aberto.
Um caso evidente de compulsão é a do viciado em drogas. Quando o grau do vício é muito elevado, descrevemos o sujeito como muito pouco livre, já que a sua vontade de consumir drogas prepondera o tempo todo ou quase o tempo todo. No entanto, podemos nos perguntar se o fato de ele ser considerado relativamente não-livre, nesta situação, se deve menos ao seu estado compulsivo, quebrando, assim, a associação que fiz, e mais ao fato de ele estar "preso" a uma "má" vontade, a saber, a de usar drogas. Se ele estivesse igualmente preso a uma boa vontade, diríamos que ele é livre? Enfim, o ser ou não livre depende do juízo de valor que fazemos das vontades preponderantes? Creio que não, a vontade ser boa ou má não repercute no julgamento que fazemos do sujeito como mais ou menos livre.
Vamos pensar num caso em que a pessoa faz o bem compulsivamente, ou seja, a sua vontade não só prepondera como é o sintoma de uma compulsão. Em todo caso, é uma vontade boa. Por exemplo, imagine que S tenha a vontade de ajudar a A. Ou mesmo a A e B e C, já que um sujeito viciado em drogas também não se limita necessariamente à compulsão de usar uma droga, às vezes duas ou mais. Meu ponto é fazer uma analogia entre situações próximas. Sendo assim, S tem a vontade de ajudar A, B e C, mas não E, F etc. Mas S é também compulsivo em ajudar A, B e C. O que significa isso? Significa, entre outras coisas, que, em S, a vontade de ajudar A, B e C prepondera sobre quaisquer outras vontades que S por ventura venha a ter, na maior parte do tempo. S quer ajudar A, B e C o tempo todo ou a maior parte do tempo. S não pensa ou raramente pensa em fazer outras coisas. Eu jamais diria, neste caso, que S é livre, mesmo ele não fazendo mal algum a ninguém, mesmo A, B e C não se importando ou se chateando com a insistência de S em lhes ajudar e, portanto, fazer o bem a A, B e C. O fato de S só fazer bem para estas pessoas parece-me completamente irrelevante para o descrevermos como livre ou não. E, novamente, temos duas situações realmente análogas e os resultados são análogos. S não é livre.
Também diria que S terá dificuldades para manter relações interpessoais com outras pessoas que não A, B e C. No entanto, diferentemente do caso do drogado, que faz mal a outras pessoas, aqui ficamos mais reticentes quanto a fazer algo forçadamente para que S perca a sua compulsão. O fato de ele não fazer mal a ninguém cancela a determinação prima facie de lhe impor o tratamento. No entanto, o fato de nos preocuparmos com S, o fato de desejar que ele tenha uma vida saudável, isto é, mantendo relações interpessoais não só com A, B e C, mas com quaisquer outras pessoas, e o fato de valorizarmos uma vida livre, pode muito bem nos levar a tentar, talvez com força menor, a impulsionar S a trata-se da sua compulsão.
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