Em uma situação ideal de conhecimento podemos ser absolutamente conservativos. Isto é, se cada informação do nosso estoque de conhecimentos é certa, então, obviamente, nenhuma outra informação pode cancelar a sua certeza. A certeza é uma propriedade não-cancelável do conhecimento.
A monotonicidade da lógica clássica, o fato de que se A |= B, então A ^ C |= B, não tem outra função senão espelhar formalmente o conservadorismo do conhecimento certo. Nenhuma conclusão (B) extraída de uma certeza (A) pode ser cancelada, já que a verdade e a certeza são transferidas de (A) para aquilo que ela implica (B). E como a certeza não é cancelável, (B) se elege definitivamente como membro do corpo de conhecimento certo. A lógica dedutiva preserva a verdade. E, ao preservar completamente a verdade, ela restringe a sua utilidade prática à formalização de conhecimentos certos.
Claro que se pode formalizar argumentos de premissas incertas pela lógica dedutiva. Pode-se fazê-lo, é possível fazê-lo, mas, em geral, não é razoável fazê-lo. Claro, para dar substância a minha afirmação anterior, vou limitar o objetivo: a finalidade do argumento é estabelecer aquilo em que devo justificadamente acreditar. O resultado de um argumento formalizado pela lógica dedutiva é uma conclusão que não tem forças para se sustentar. O conhecimento que se obtém, com a formalização dedutiva, é a certeza de que um condicional do seguinte tipo é verdadeiro: se as premissas forem verdadeiras, então também é a conclusão. Mas o objetivo da argumentação não é estabelecer a razoabilidade de se acreditar em condicionais deste tipo, mas sim estabelecer a razoabilidade de se acreditar na conclusão. E, a não ser que você sabia com certeza a verdade das premissas, a formalização dedutiva não ajuda em nada.
Para satisfazer o objetivo da argumentação, precisamos de lógicas mais relaxadas, precisamos de lógicas não-monotônicas. Nestas lógicas, não vale o referido princípio, isto é, que se A |= B, então A ^ C |= B. Pode muito bem ser o caso que A |= B, mas não A ^ C |= B. Em linguagem corrente: a introdução de nova informação pode cancelar conclusões feitas. Esta não é obviamente uma lógica para formalizar o conhecimento certo, é uma lógica para formalizar o "conhecimento" provável. A sua preocupação não é meramente com a preservação da verdade (e de quebra a certeza), mas também em determinar quais informações se sobressaem, quais podem ser concluídas, em quais delas devemos acreditar, ao menos, até o momento atual, e quais delas são canceladas por outras informações. Ora, a situação concreta que habitamos é justamente essa: temos apenas conhecimento provável. Logo, interessa-nos saber quais conclusões podemos extrair a partir do que temos, mas extrair de uma forma crível e não meramente condicional.
Obviamente que a tarefa é hercúlea. Se a lógica dedutiva, por ser concebida para uma situação ideal, pode se dar ao luxo de ser conservadora ao máximo, a lógica não-monotônica, por ser concebida para uma situação concreta, tem a difícil missão de determinar o quanto relaxar no conservadorismo. Sim, pois obviamente não é qualquer informação nova que pode cancelar conclusões já feitas. Se assim fosse, tudo seria igualmente crível e, ao mesmo tempo, não crível, o que é absurdo. E a difículdade toda é determinar esse quanto de uma maneira geral, quiça formal, uma maneira que não seja dependente deste ou daquele corpo de conhecimento concreto. Há de se investigar se isso é realmente possível. Mas certamente é extremamente desejável. A nossa situação epistêmica concreta urge algo do tipo.
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