O papel do contexto na compreensão do que alguém diz é inegável e, ao mesmo tempo, afirmá-lo é trivial. O problema é quando a categoria do contexto é usada estrategicamente como arma para imunizar o texto à crítica. Em uma passagem do Da Certeza, Wittgenstein nos convida a imaginar a seguinte situação: dois sujeitos estão discutindo e um terceiro passando por eles presencia uma elocução estranha. Um dos sujeitos, olhando para uma árvore e apontando para ela diz: "Eu sei que isto é uma árvore". O outro sujeito, vendo a perplexidade do terceiro, explica: "Nós somos filósofos". Claro, o que pode alguém querer dizer diante de uma árvore com a frase "Eu sei que isto é uma árvore"?. Sem o que podemos chamar de um contexto cético de discussão, esta frase não faz o menor sentido e arriscaríamos até a chamar a pessoa de louca. Dei um exemplo extremo, há muitos outros mais corriqueiros em que o apelo ao contexto é fundamental para responder uma questão do tipo: o que S quis dizer com o proferimento da frase P?
Quando lidamos com textos e não propriamente com situações concretas de proferimento, vários outros tipos de contextos ganham relevância para responder a questão acima. É então que surge o que podemos chamar de contexto histórico/cultural. Certos saberes sobre a história e a cultura de um autor são evocados para auxiliar na compreensão do que quis dizer este autor com a frase P. Tudo que estou dizendo aqui é bem trivial e é assim que, de fato, realizamos a "tradução" das coisas que outro diz para algo que entendemos ou compreendemos na nossa linguagem caseira. Saberes de diversos tipos são evocados quando temos dúvidas quanto ao que uma pessoa quis dizer ao dizer que P.
Essa prática corriqueira, que todos usamos segundo o bom senso, transforma-se em arma argumentativa se desempenhada de forma paranóica. A frase P dita por S no texto T, que, normalmente, seria elucidada longe de qualquer dúvida razoável pelos saberes históricos H1 e H2, é dita incompreensível sem os saberes históricos H1...H100. O erudito1 (um certo tipo de erudito, pois nem todos são assim paranóicos) nos dirá tal coisa. Logo depois, aparecerá o erudito2, apontando com extremo prazer a ignorância do erudito1, pois P só se pode compreender com base nos saberes históricos H1...H200. Uma forma, então, de imunizar um texto à crítica, é sempre apelar para a incompreensão do crítico da frase P criticada. O crítico não relevou saberes históricos suficientes para entender o que S quis dizer com a frase P. E se o crítico não entendeu P adequadamente, tampouco podemos dizer que ele critica alguma idéia de S.
Há um problema evidente nesta estratégia. No limite desta paranóia compreensiva, nem infinitos saberes históricos/culturais são suficientes para compreender P, o que implica a tese estranha de que a comunicação não existe.
Claro que alguns textos são mais difíceis de se entender do que outros e a distância do autor a nós no tempo pode demandar mais saberes históricos para a compreensão dos seus textos que um texto escrito contemporaneamente. Mas pode ocorrer também de um texto atual demandar, para a sua compreensão, de tanta informação cultural quanto um texto antigo de informação histórica. Em todo o caso, o tanto de saber necessário para compreender deve ser estipulado pela razoabilidade, pela sensatez e não pela paranóia erudita que, no limite, nos leva à absoluta incompreensão de todos por todos. O erudito é o pivô do ceticismo com respeito à compreensão. O que soa paradoxal, pois o erudito quer apenas para si a prerrogativa de compreender o autor S predileto. Mas a sua estratégia para assegurar essa posição a mina por completo ao ameaçar a própria possibilidade da compreensão.
E há de se distinguir também o contexto da discussão. Para o historiador, qua historiador, certas sutilezas são importantes, para o filósofo, qua filósofo, não. E isto também importa para o quanto de saber histórico/cultural relevar em um contexto de discussão. Mas claro, sempre segundo os ditames da razoabilidade dos sensatos.
Quando lidamos com textos e não propriamente com situações concretas de proferimento, vários outros tipos de contextos ganham relevância para responder a questão acima. É então que surge o que podemos chamar de contexto histórico/cultural. Certos saberes sobre a história e a cultura de um autor são evocados para auxiliar na compreensão do que quis dizer este autor com a frase P. Tudo que estou dizendo aqui é bem trivial e é assim que, de fato, realizamos a "tradução" das coisas que outro diz para algo que entendemos ou compreendemos na nossa linguagem caseira. Saberes de diversos tipos são evocados quando temos dúvidas quanto ao que uma pessoa quis dizer ao dizer que P.
Essa prática corriqueira, que todos usamos segundo o bom senso, transforma-se em arma argumentativa se desempenhada de forma paranóica. A frase P dita por S no texto T, que, normalmente, seria elucidada longe de qualquer dúvida razoável pelos saberes históricos H1 e H2, é dita incompreensível sem os saberes históricos H1...H100. O erudito1 (um certo tipo de erudito, pois nem todos são assim paranóicos) nos dirá tal coisa. Logo depois, aparecerá o erudito2, apontando com extremo prazer a ignorância do erudito1, pois P só se pode compreender com base nos saberes históricos H1...H200. Uma forma, então, de imunizar um texto à crítica, é sempre apelar para a incompreensão do crítico da frase P criticada. O crítico não relevou saberes históricos suficientes para entender o que S quis dizer com a frase P. E se o crítico não entendeu P adequadamente, tampouco podemos dizer que ele critica alguma idéia de S.
Há um problema evidente nesta estratégia. No limite desta paranóia compreensiva, nem infinitos saberes históricos/culturais são suficientes para compreender P, o que implica a tese estranha de que a comunicação não existe.
Claro que alguns textos são mais difíceis de se entender do que outros e a distância do autor a nós no tempo pode demandar mais saberes históricos para a compreensão dos seus textos que um texto escrito contemporaneamente. Mas pode ocorrer também de um texto atual demandar, para a sua compreensão, de tanta informação cultural quanto um texto antigo de informação histórica. Em todo o caso, o tanto de saber necessário para compreender deve ser estipulado pela razoabilidade, pela sensatez e não pela paranóia erudita que, no limite, nos leva à absoluta incompreensão de todos por todos. O erudito é o pivô do ceticismo com respeito à compreensão. O que soa paradoxal, pois o erudito quer apenas para si a prerrogativa de compreender o autor S predileto. Mas a sua estratégia para assegurar essa posição a mina por completo ao ameaçar a própria possibilidade da compreensão.
E há de se distinguir também o contexto da discussão. Para o historiador, qua historiador, certas sutilezas são importantes, para o filósofo, qua filósofo, não. E isto também importa para o quanto de saber histórico/cultural relevar em um contexto de discussão. Mas claro, sempre segundo os ditames da razoabilidade dos sensatos.
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