Em virtude desta discussão com o Alexandre Machado, mudei algumas das minhas concepções sobre a relação da sensação de dor com a faculdade da atenção.
A dor tem obviamente um conteúdo fenomênico que não lhe pode ser dissociado. Mesmo que identifiquemos no cérebro quais estruturas são responsáveis causalmente pela sensação da dor, não estabelecemos com isto uma redução. Isto é, sentir dor não significa que tais e tais estruturas cerebrais estão ativas.
Que tenhamos dor quando estamos atentos à dor não há dúvida. Contudo, não é claro o que dizer sobre os casos em que desviamos a atenção da dor para uma outra atividade mental custosa qualquer, por exemplo, desarmar uma bomba. Diremos, neste caso, que o indivíduo ainda tem dor? Se sim, como ainda fazer justiça à intuição de que dor e sensação de dor estão intrinsecamente entrelaçados? Qual o papel da atenção, neste caso? Ela é constitutiva da dor?
A situação não parece ser análoga ao episódio em que o indivíduo volta a sua atenção para um objeto vermelho na periferia do seu campo visual e vê com maior distinção que o tal objeto é, por exemplo, um livro vermelho. Digo, a experiência visual periférica tem um conteúdo determinado, a saber, algo ali é vermelho. Quando a atenção se volta para esta percepção visual, ela permite que o conteúdo deste estado possa ser apreendido de uma forma mais clara e distinta (isto não é muito claro, mas enfim...); mas a atenção não parece adicionar nada ao conteúdo deste estado perceptivo. Digo isto em princípio, pois podemos mudar de opinião a este respeito.
Porém, a situação da dor parece ser bem diversa. Se, ao concentrar-me em algo diverso, a dor que era sentida não é mais igualmente sentida, faz ainda algum sentido dizer que tenho ou sinto dor? Pode ser que eu ainda sinta algum incômodo, que talvez eu não classifique como dor, ou ainda que eu sinta a minha concentração prejudicada, mas justamente este é o ponto. A vida mental transforma-se fenomenicamente conforme a atenção esteja dirigida para determinados estados mentais e transforma-se a tal ponto que faz emergir ou desaparecer a sensação de dor.
Um outro modo de descrever a situação. S tem o estado mental X ou um conjunto de estados mentais Y. Quando S volta a sua atenção para o estado mental X ou para algum dos estados mentais do conjunto Y, este ato introspectivo cria um novo estado mental, a saber, o estado mental Z, que é a sensação de dor. Quando a atenção é dirigida para algo diverso, isto é, para o estado mental A, concentrar-se na bomba, Z deixa de existir. Mas qual é o estado mental que, quando atendido, gera o estado mental da dor? Qual é o conteúdo de X? Estados mentais candidatos são o estado mental do incômodo e o estado mental de sentir a concentração prejudicada e muitos outro semelhantes. O fato é que parece ter de haver algum estado mental com um certo conteúdo determinado para o qual a atenção se dirige. Quando a atenção se dirige para estados mentais deste tipo, ela gera um novo estado mental de dor. Aqui cabe investigação empírica para determinar quais estados mentais junto com a atenção podem gerar o estado mental de dor.
E talvez isso explique como algumas pessoas conseguem desenvolver uma impressionante resistência à dor. Na verdade, não é que elas resistam à dor, mas sim que elas aprendem a evitar dirigir a atenção para estes tipos de estados mentais que, quando atendidos, geram dor. Claro que há estados mentais deste tipo que normalmente causam em nós o voltar a atenção para eles, em especial os estados mentais que, quando atendidos, geram a sensação de uma dor muito forte. Exatamente por isso que a pessoa que resiste habilmente à dor tem de aprender a controlar com maestria a sua atenção. E há relatos de pessoas que conseguem se submeter à certas cirurgias sem qualquer anestesia.
Se esta hipótese está correta, então a atenção tem um papel constitutivo do estado mental de dor, da sensação de dor e, portanto, não cumpriria um papel epistêmico. Para cumprir um papel epistêmico, o estado mental de dor teria de existir independentemente de ser atendido, podendo ser apreendido de maneira mais "clara" pela atenção. Mas o conteúdo deste estado mental (o sentir a dor ou a dor sentida) não sofreria alteração pela atuação da atenção. Mas, ao que tudo indica, a atenção tem um papel constitutivo do estado mental de dor.
A dor tem obviamente um conteúdo fenomênico que não lhe pode ser dissociado. Mesmo que identifiquemos no cérebro quais estruturas são responsáveis causalmente pela sensação da dor, não estabelecemos com isto uma redução. Isto é, sentir dor não significa que tais e tais estruturas cerebrais estão ativas.
Que tenhamos dor quando estamos atentos à dor não há dúvida. Contudo, não é claro o que dizer sobre os casos em que desviamos a atenção da dor para uma outra atividade mental custosa qualquer, por exemplo, desarmar uma bomba. Diremos, neste caso, que o indivíduo ainda tem dor? Se sim, como ainda fazer justiça à intuição de que dor e sensação de dor estão intrinsecamente entrelaçados? Qual o papel da atenção, neste caso? Ela é constitutiva da dor?
A situação não parece ser análoga ao episódio em que o indivíduo volta a sua atenção para um objeto vermelho na periferia do seu campo visual e vê com maior distinção que o tal objeto é, por exemplo, um livro vermelho. Digo, a experiência visual periférica tem um conteúdo determinado, a saber, algo ali é vermelho. Quando a atenção se volta para esta percepção visual, ela permite que o conteúdo deste estado possa ser apreendido de uma forma mais clara e distinta (isto não é muito claro, mas enfim...); mas a atenção não parece adicionar nada ao conteúdo deste estado perceptivo. Digo isto em princípio, pois podemos mudar de opinião a este respeito.
Porém, a situação da dor parece ser bem diversa. Se, ao concentrar-me em algo diverso, a dor que era sentida não é mais igualmente sentida, faz ainda algum sentido dizer que tenho ou sinto dor? Pode ser que eu ainda sinta algum incômodo, que talvez eu não classifique como dor, ou ainda que eu sinta a minha concentração prejudicada, mas justamente este é o ponto. A vida mental transforma-se fenomenicamente conforme a atenção esteja dirigida para determinados estados mentais e transforma-se a tal ponto que faz emergir ou desaparecer a sensação de dor.
Um outro modo de descrever a situação. S tem o estado mental X ou um conjunto de estados mentais Y. Quando S volta a sua atenção para o estado mental X ou para algum dos estados mentais do conjunto Y, este ato introspectivo cria um novo estado mental, a saber, o estado mental Z, que é a sensação de dor. Quando a atenção é dirigida para algo diverso, isto é, para o estado mental A, concentrar-se na bomba, Z deixa de existir. Mas qual é o estado mental que, quando atendido, gera o estado mental da dor? Qual é o conteúdo de X? Estados mentais candidatos são o estado mental do incômodo e o estado mental de sentir a concentração prejudicada e muitos outro semelhantes. O fato é que parece ter de haver algum estado mental com um certo conteúdo determinado para o qual a atenção se dirige. Quando a atenção se dirige para estados mentais deste tipo, ela gera um novo estado mental de dor. Aqui cabe investigação empírica para determinar quais estados mentais junto com a atenção podem gerar o estado mental de dor.
E talvez isso explique como algumas pessoas conseguem desenvolver uma impressionante resistência à dor. Na verdade, não é que elas resistam à dor, mas sim que elas aprendem a evitar dirigir a atenção para estes tipos de estados mentais que, quando atendidos, geram dor. Claro que há estados mentais deste tipo que normalmente causam em nós o voltar a atenção para eles, em especial os estados mentais que, quando atendidos, geram a sensação de uma dor muito forte. Exatamente por isso que a pessoa que resiste habilmente à dor tem de aprender a controlar com maestria a sua atenção. E há relatos de pessoas que conseguem se submeter à certas cirurgias sem qualquer anestesia.
Se esta hipótese está correta, então a atenção tem um papel constitutivo do estado mental de dor, da sensação de dor e, portanto, não cumpriria um papel epistêmico. Para cumprir um papel epistêmico, o estado mental de dor teria de existir independentemente de ser atendido, podendo ser apreendido de maneira mais "clara" pela atenção. Mas o conteúdo deste estado mental (o sentir a dor ou a dor sentida) não sofreria alteração pela atuação da atenção. Mas, ao que tudo indica, a atenção tem um papel constitutivo do estado mental de dor.
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