A academia filosófica deveria mudar seus critérios de qualidade filosófica? Os critérios hodiernos mais consensuais, na academia filosófica brasileira, para um bom texto acadêmico são: ampla bibliografia primária e secundária, comentário rasante, sem vôos, isto é, que deixe o menor espaço possível entre o que é dito sobre um texto e o que o texto ele mesmo diz, falar menos que o autor estudado, falar preferencialmente sobre um autor só e necessariamente falar de algum autor, da idéia de algum autor, do argumento de algum autor, enfim, estar, de alguma maneira, nas costas de alguém, não qualquer um, mas alguém de porte, de peso. Estes critérios obviamente excluem uma produção que seja mais pessoal. Uma busca nas bibliotecas de teses e dissertações evidencia isso. A academia brasileira aceita majoritariamente esses critérios. Ela é assim.
A pergunta que podemos nos fazer é se ela deve ser assim. Alguns diriam que tanto faz. O principal argumento para esta indiferença é o fato de ela não ser necessária para (i) a publicação e a divulgação de textos que não seguem os referidos critérios e (ii) o reconhecimento de que estes textos têm algum valor, na suposição de que têm qualidade, ainda que por critérios diversos. Em virtude da facilidade de se disponibilizar um texto no formato digital e publicá-lo na internet, meio ao qual o acesso é muito mais amplo e fácil, se o compararmos com as bibliotecas concretas, argumenta-se que a academia é completamente desnecessária para atingir os fins (i) e (ii). Qualquer pessoa pode criar um site ou blog e publicar lá os textos que lhe aprouver, satisfazendo assim (i) facilmente. (ii) também, já que, pelo acesso facilitado, qualquer pessoa pode ler o texto e reconhecer o seu valor, se for o caso.
O fato de a academia ser desnecessária para atingir as finalidades (i) e (ii) retira peso da obrigação de mudá-la, caso haja boas razões para mudá-la. Mas o ponto é este, o argumento acima é meramente negativo. Ele apenas diz que, dada a finalidade de publicação e reconhecimento de textos que não seguem os critérios canônicos, a academia não precisa mudar em nada, pois ela não é um meio necessário para a realização destas finalidades. Contudo, disto não se segue que não haja outros motivos e razões para mudar a academia.
Eu penso que há boas razões para que a academia amplie o leque de critérios para o aferimento da qualidade de textos filosóficos. (1) A razão mais óbvia é que os critérios ignorados pela academia são justamente os critérios que achamos (eu e outros insatisfeitos com a configuração da filosofia brasileira) mais valiosos, pois, se não fosse assim, nem mesmo nos proporíamos publicar textos de qualidade segundo esses critérios em outro lugar. Se achamos que um texto é publicável, que devemos publicá-lo, que ele tem valor, mas a academia o considera desqualificado, então, ainda que consigamos facilmente publicá-lo em algum lugar, há algo de errado no julgamento da academia e isto é um bom motivo para querer modificá-la. (2) A academia é sustentada por meio de verba pública e vivemos supostamente numa democracia. Isto significa que qualquer um que atenda aos critérios de qualidade acordados na academia pode usufruir dos seus canais de publicação e circulação de informação. Mas se não pode haver discussão sobre os critérios de qualidade, a academia perde o seu caráter democrático e perde também valor epistêmico. Se estamos minimamente comprometidos com a nossa sociedade, estamos comprometidos com os projetos desta sociedade e a academia é um deles. Logo, devemos sim nos comprometer também em discutir os critérios de qualidade da academia quando achamos que eles implicam em perdas valiosas. (3) A academia tem autoridade epistêmica em nossa sociedade, o que significa que a informação que ela veicula tem mais chances de participar em decisões de políticas públicas. Tudo bem que muitos textos filosóficos, talvez a maioria, jamais participarão diretamente de decisões desta monta, mas alguns podem sim. Muita filosofia da educação poderia encorpar as políticas educacionais, para dar apenas um único exemplo. Não é difícil imaginar a participação indireta da filosofia em muitos outros tipos de decisões. Assim, parece-me que, para a relevância social, faz sim diferença se um texto é publicado pela academia ou não. Meu ponto é que ter o selo da academia pode não ter importância alguma do ponto de vista pessoal, mas não há duvidas de que, em muitos casos, é socialmente relevante. E esta é uma boa razão para querer que a academia altere seus critérios de qualidade, pois ela pode estar deixando de fora idéias que deveriam estar influindo sobre as decisões que moldarão o nosso futuro.
É claro que antes de reclamar da falta de espaço para publicar, as pessoas deveriam sim se voltar para a internet e as facilidades que ela oferece. O retorno pessoal pode ser fabuloso e estimulante. Porém, isto não é motivo para esmorecer outras motivações em favor da mudança da academia. Por razões diversas e para finalidades diversas, ambos os meios de publicação e reconhecimento são fundamentais. A academia tem uma relevância social que não dá (moralmente) para ignorar de todo.
A pergunta que podemos nos fazer é se ela deve ser assim. Alguns diriam que tanto faz. O principal argumento para esta indiferença é o fato de ela não ser necessária para (i) a publicação e a divulgação de textos que não seguem os referidos critérios e (ii) o reconhecimento de que estes textos têm algum valor, na suposição de que têm qualidade, ainda que por critérios diversos. Em virtude da facilidade de se disponibilizar um texto no formato digital e publicá-lo na internet, meio ao qual o acesso é muito mais amplo e fácil, se o compararmos com as bibliotecas concretas, argumenta-se que a academia é completamente desnecessária para atingir os fins (i) e (ii). Qualquer pessoa pode criar um site ou blog e publicar lá os textos que lhe aprouver, satisfazendo assim (i) facilmente. (ii) também, já que, pelo acesso facilitado, qualquer pessoa pode ler o texto e reconhecer o seu valor, se for o caso.
O fato de a academia ser desnecessária para atingir as finalidades (i) e (ii) retira peso da obrigação de mudá-la, caso haja boas razões para mudá-la. Mas o ponto é este, o argumento acima é meramente negativo. Ele apenas diz que, dada a finalidade de publicação e reconhecimento de textos que não seguem os critérios canônicos, a academia não precisa mudar em nada, pois ela não é um meio necessário para a realização destas finalidades. Contudo, disto não se segue que não haja outros motivos e razões para mudar a academia.
Eu penso que há boas razões para que a academia amplie o leque de critérios para o aferimento da qualidade de textos filosóficos. (1) A razão mais óbvia é que os critérios ignorados pela academia são justamente os critérios que achamos (eu e outros insatisfeitos com a configuração da filosofia brasileira) mais valiosos, pois, se não fosse assim, nem mesmo nos proporíamos publicar textos de qualidade segundo esses critérios em outro lugar. Se achamos que um texto é publicável, que devemos publicá-lo, que ele tem valor, mas a academia o considera desqualificado, então, ainda que consigamos facilmente publicá-lo em algum lugar, há algo de errado no julgamento da academia e isto é um bom motivo para querer modificá-la. (2) A academia é sustentada por meio de verba pública e vivemos supostamente numa democracia. Isto significa que qualquer um que atenda aos critérios de qualidade acordados na academia pode usufruir dos seus canais de publicação e circulação de informação. Mas se não pode haver discussão sobre os critérios de qualidade, a academia perde o seu caráter democrático e perde também valor epistêmico. Se estamos minimamente comprometidos com a nossa sociedade, estamos comprometidos com os projetos desta sociedade e a academia é um deles. Logo, devemos sim nos comprometer também em discutir os critérios de qualidade da academia quando achamos que eles implicam em perdas valiosas. (3) A academia tem autoridade epistêmica em nossa sociedade, o que significa que a informação que ela veicula tem mais chances de participar em decisões de políticas públicas. Tudo bem que muitos textos filosóficos, talvez a maioria, jamais participarão diretamente de decisões desta monta, mas alguns podem sim. Muita filosofia da educação poderia encorpar as políticas educacionais, para dar apenas um único exemplo. Não é difícil imaginar a participação indireta da filosofia em muitos outros tipos de decisões. Assim, parece-me que, para a relevância social, faz sim diferença se um texto é publicado pela academia ou não. Meu ponto é que ter o selo da academia pode não ter importância alguma do ponto de vista pessoal, mas não há duvidas de que, em muitos casos, é socialmente relevante. E esta é uma boa razão para querer que a academia altere seus critérios de qualidade, pois ela pode estar deixando de fora idéias que deveriam estar influindo sobre as decisões que moldarão o nosso futuro.
É claro que antes de reclamar da falta de espaço para publicar, as pessoas deveriam sim se voltar para a internet e as facilidades que ela oferece. O retorno pessoal pode ser fabuloso e estimulante. Porém, isto não é motivo para esmorecer outras motivações em favor da mudança da academia. Por razões diversas e para finalidades diversas, ambos os meios de publicação e reconhecimento são fundamentais. A academia tem uma relevância social que não dá (moralmente) para ignorar de todo.
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