A passagem pela história da filosofia é, em grande medida, uma experiência cética, muito embora, não seja, em si mesma, um argumento robusto em favor do ceticismo, em especial um ceticismo que levante dúvida geral sobre a possibilidade de se obter conhecimento filosófico. Porém, esta experiência da diafonia certamente contribui para o reconhecimento de um ceticismo mais brando: é mais difícil chegar a um consenso em assuntos filosóficos que em assuntos físicos. Do que não se segue que seja impossível. Uma explicação para esta dificuldade mais acentuada é que a verdade filosófica é mais complexa ou difícil de ser obtida. Outra é que talvez ela não exista. A diafonia filosófica ela mesma, no entanto, não é mais evidência para uma do que para a outra explicação.
Desta diafonia, a qual todos os filósofos são submetidos durante a sua formação, pelo menos aqueles que passaram por uma formação acadêmica, era de se esperar que estes mesmos filósofos extraíssem algumas regras de prudência, em especial, esta : não tachar a filosofia do vizinho como não-filosófica. Pode-se ficar tentado a aceitar uma exceção: a não ser que se muna de argumentos muitos bons, não tacharás a filosofia do vizinho como não-filosófica. Esta exceção, no entanto, já é, aos olhos de alguns filósofos, por demais filosófica, já incorpora, digamos, a idéia restritiva de que toda tese filosófica precisa ser sustentada por argumentos. E talvez haja muitos filósofos que aceitem que se possa defender uma tese filosófica simplesmente arrotando-a. Neste caso, a mencionada exceção seria, na verdade, um preconceito filosófico. Podemos tentar uma exceção mais branda: não tachar a filosofia do vizinho como não-filosófica a não ser que haja amplo consenso entre os filósofos de que aquela "filosofia" não é filosofia. Esta exceção tem a vantagem de nos legitimar a desclassificar a proclamação que um filósofo faça de que, por exemplo, a astrologia é filosófica. Porém, ela tem a desvantagem grave de favorecer em demasia a parcimônia e a inércia da tradição filosófica. Ela nos legitimaria a rejeitar um novo modo de pensar que talvez pudesse ser uma extensão da tradição filosófica. Outra desvantagem desta exceção é a dificuldade em determinar a amplitude do consenso que legitimaria a sua aplicação. A questão não é fácil e certamente precisaria de um acordo prévio que não podemos, neste assunto, pressupor. Assim, também esta exceção não é razoável.
Na verdade, nem mesmo a regra inicial é razoável, ela é forte demais. Não tachar jamais a filosofia do vizinho parece já incorporar algo muito mais radical do que a experiência da diafonia nos licencia, parece implicar a tese negativa de que nenhuma verdade filosófica jamais poderá ser obtida, uma verdade, por exemplo, que ilumine claramente que um certo discurso não é filosófico. Ainda assim, acho que a experiência da diafonia filosófica tem algo a nos dizer no terreno ético-prático, algo assim: seja absolutamente o mais prudente e responsável possível antes de proferir que a filosofia do vizinho é não-filosófica. Fazer isto é ser justo com a história da filosofia ou com a experiência que você tem ao passar por ela, além de ser respeitoso com o seu colega de trabalho.
Ontem tive uma excelente discussão com o Everton Garcia da Costa (UFRGS) e André Dirceu Gerardi (FGV-SP), a convite do NUPERGS, sobre Desafios e Limitações do ChatGPT nas ciências humanas . Agradeço a ambos pela aprendizagem propiciada. Gostaria de fazer duas considerações que não enfatizei o bastante ou esqueci mesmo de fazer. Insisti várias vezes que o ChatGPT é um papagaio estocástico (a expressão não é minha, mas de Emily Bender , professora de linguística computacional) ou um gerador de bobagens. Como expliquei, isso se deve ao fato de que o ChatGPT opera com um modelo amplo de linguagem estatístico. Esse modelo é obtido pelo treinamento em um corpus amplo de textos em que a máquina procurará relações estatísticas entre palavras, expressões ou sentenças. Por exemplo, qual a chance de “inflação” vir acompanhada de “juros” numa mesma sentença? Esse é o tipo de relação que será “codificada” no modelo de linguagem. Quanto maior o corpus, maiores as chances de que esse modelo ...
Comentários
De fato, não é fácil, diria até que é dificílimo, mas por isso mesmo que virtude não é algo que se conquista ou se obtém, é algo que exercemos, às vezes bem, outras vezes não muito bem.