Cada vez mais me interesso pela ética da e na discussão. Cada vez menos a vejo presente nas discussões, o que diminui o meu apetite pelas mesmas. Comecemos com algo bem simples. A e B discutem. A diz algo que, para B, parece ser absurdamente falso, no sentido de que ele nao consegue vislumbrar nenhuma razão para se sustentar o que disse A. Digamos que B interpreta o que A disse como P. Numa discussão minimamente respeitosa, este já seria um motivo para B pensar que ele não entendeu A corretamente e, assim, deveria tentar averiguar com A se o que ele disse foi exatamente P. B, no entanto, ignora o princípio do benefício da dúvida e segue adiante na discussão. Volta-se para A, e afirma:
- Isto que você disse, P, é simplesmente ininteligível!
Ininteligibilidade não se aplica obviamente apenas a sentenças sem sentido, porém gramaticalmente corretas, ou a sentenças gramaticalmente incorretas; ela se aplica também a sentenças absurdamente falsas. Na verdade, neste último caso, não estamos aplicando a ininteligibilidade propriamente à sentença, mas sim ao seu proferimento. Por não conseguirmos ver nenhuma razão a seu favor, não conseguimos entender como alguém poderia proferi-la. Não entendemos a ação de proferir a sentença P.
Neste ponto reside o perigo que ameaça por completo a discussão. Em princípio, não há qualquer razão para pensar que a proposição P parecer absurdamente falsa se deva menos à incapacidade de B de vislumbrar razões em favor de P do que à incapacidade de A. Porém, quando B afirma peremptoriamente "é simplesmente ininteligível!", ele implica, no sentido griceano, que a falta cognitiva é de A, A é quem age de maneira absurda. A ênfase de B em afirmar a ininteligibilidade de P exclui completamente a possibilidade de que ele reconheça alguma limitação sua na avaliação da verdade de P. "Não, P é absurdamente falsa e ponto final", diria ele.
"É ininteligível" poderia ser usada simplesmente para enunciar um fato, a saber, uma afirmação parecer absurdamente falsa a alguém. No entanto, quando este alguém diz "é simplesmente ininteligível!", este alguém faz muito mais do que simplesmente relatar um fato sobre como uma afirmação lhe aparece; além disso ele insinua uma falha cognitiva no seu interlocutor. Pode ser que A tenha essa falha ou simplesmente que ele tenha falhado no momento em que proferiu P, o que não depõe necessariamente contra a suas capacidades cognitivas em geral, mas a insinuação por parte de B desta falha, ao longo do debate, pode ser, e A tem todo o direito de fazê-lo, interpretado como uma ofensa. A ofensa é agravada, na situaçao considerada, em virtude de B, em momento algum, ter se mostrado disposto (1) a reconsiderar a interpretação que fez de A ("P parece tão absurdo que A deve ter dito outra coisa, vejamos...") e (2) a considerar que P parecer ser absurdamente falsa poderia se dever mais a sua incapacidade de vislumbrar razões para P do que P ser de fato absurdamente falsa.
B teve um comportamento tipicamente arrogante. E talvez agora só possamos contar com a paciência de A para que a discussão possa continuar sem tomar o rumo de uma escalada crescente de ofensas mútuas. Acho que dá para extrair alguns deveres disso facilmente, *se concordamos que a finalidade da discussão é avaliar a verdade ou falsidade de determinadas ideias*: devemos ser maximamente respeitosos com o nosso interlocutor e isso implica que a hipótese de falha cognitiva do interlocutor deve ser absolutamente o último recurso a ser utilizado para entender o que se passa numa discussão. Antes de utilizar a hipótese de falha cognitiva no interlocutor, utilize-a em si mesmo. Não digo que seja fácil, mas não sendo humanamente impossível, é nosso dever buscar a excelência moral na discussão. Se tenho ciência de que vários dizeres podem ser claramente ofensivos ao meu interlocutor, e se sinceramente almejo a discussão da verdade ou falsidade de ideias, então falho eu moral e cognitivamente se não refreio estes dizeres. É meu dever buscar ter este autocontrole sobre o que dizer e como dizer ao meu interlocutor.
Ressalva nietzscheana: se fôssemos suficientemente fortes a ponto de jamais nos ofendermos por conta de qualquer coisa que alguém pudesse nos dizer, então nenhum dever se seguiria para a condução da discussão. Concordo, porém não é humano não se ofender jamais.
- Isto que você disse, P, é simplesmente ininteligível!
Ininteligibilidade não se aplica obviamente apenas a sentenças sem sentido, porém gramaticalmente corretas, ou a sentenças gramaticalmente incorretas; ela se aplica também a sentenças absurdamente falsas. Na verdade, neste último caso, não estamos aplicando a ininteligibilidade propriamente à sentença, mas sim ao seu proferimento. Por não conseguirmos ver nenhuma razão a seu favor, não conseguimos entender como alguém poderia proferi-la. Não entendemos a ação de proferir a sentença P.
Neste ponto reside o perigo que ameaça por completo a discussão. Em princípio, não há qualquer razão para pensar que a proposição P parecer absurdamente falsa se deva menos à incapacidade de B de vislumbrar razões em favor de P do que à incapacidade de A. Porém, quando B afirma peremptoriamente "é simplesmente ininteligível!", ele implica, no sentido griceano, que a falta cognitiva é de A, A é quem age de maneira absurda. A ênfase de B em afirmar a ininteligibilidade de P exclui completamente a possibilidade de que ele reconheça alguma limitação sua na avaliação da verdade de P. "Não, P é absurdamente falsa e ponto final", diria ele.
"É ininteligível" poderia ser usada simplesmente para enunciar um fato, a saber, uma afirmação parecer absurdamente falsa a alguém. No entanto, quando este alguém diz "é simplesmente ininteligível!", este alguém faz muito mais do que simplesmente relatar um fato sobre como uma afirmação lhe aparece; além disso ele insinua uma falha cognitiva no seu interlocutor. Pode ser que A tenha essa falha ou simplesmente que ele tenha falhado no momento em que proferiu P, o que não depõe necessariamente contra a suas capacidades cognitivas em geral, mas a insinuação por parte de B desta falha, ao longo do debate, pode ser, e A tem todo o direito de fazê-lo, interpretado como uma ofensa. A ofensa é agravada, na situaçao considerada, em virtude de B, em momento algum, ter se mostrado disposto (1) a reconsiderar a interpretação que fez de A ("P parece tão absurdo que A deve ter dito outra coisa, vejamos...") e (2) a considerar que P parecer ser absurdamente falsa poderia se dever mais a sua incapacidade de vislumbrar razões para P do que P ser de fato absurdamente falsa.
B teve um comportamento tipicamente arrogante. E talvez agora só possamos contar com a paciência de A para que a discussão possa continuar sem tomar o rumo de uma escalada crescente de ofensas mútuas. Acho que dá para extrair alguns deveres disso facilmente, *se concordamos que a finalidade da discussão é avaliar a verdade ou falsidade de determinadas ideias*: devemos ser maximamente respeitosos com o nosso interlocutor e isso implica que a hipótese de falha cognitiva do interlocutor deve ser absolutamente o último recurso a ser utilizado para entender o que se passa numa discussão. Antes de utilizar a hipótese de falha cognitiva no interlocutor, utilize-a em si mesmo. Não digo que seja fácil, mas não sendo humanamente impossível, é nosso dever buscar a excelência moral na discussão. Se tenho ciência de que vários dizeres podem ser claramente ofensivos ao meu interlocutor, e se sinceramente almejo a discussão da verdade ou falsidade de ideias, então falho eu moral e cognitivamente se não refreio estes dizeres. É meu dever buscar ter este autocontrole sobre o que dizer e como dizer ao meu interlocutor.
Ressalva nietzscheana: se fôssemos suficientemente fortes a ponto de jamais nos ofendermos por conta de qualquer coisa que alguém pudesse nos dizer, então nenhum dever se seguiria para a condução da discussão. Concordo, porém não é humano não se ofender jamais.
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