Uma vida feliz pode não ter valor algum. Este é um julgamento que podemos fazer externamente. Eu posso, de fora, olhar a vida de outra pessoa, reconhecer uma certa abundância de felicidade, de bem-estar, mas negar valor a esta vida, negar que seja uma vida louvável de ser vivida, o que não implica que não seja aceitável que seja vivida. Poderia alguém, no entanto, fazer o mesmo julgamento a respeito da sua própria vida? Acho que não. Pode realmente alguém reconhecer a sua vida como, no geral, feliz sem reconhecer, ao mesmo tempo, que ela tenha valor? Mesmo alguém que tenha muitos prazeres, mais prazeres que sofrimentos, se esta pessoa não vê o viver desses prazeres como algo louvável de ser vivido, ele não reconhecerá a sua vida como uma vida feliz. Ele necessariamente sentirá uma falta ou ausência que o afasta da vida feliz.
A incógnita que carregamos em nossos corações é que não temos por certo esse ponto arquimediano a partir do qual poderíamos julgar o valor de nossas vidas. Gostaríamos de fazer internamente o julgamento que, com certa segurança, fazemos externamente. Os julgamentos relativos e precários que conseguimos fazer internamente a respeito do valor de nossas vidas nunca satisfazem o nosso anseio de saber quão louvável as nossas vidas realmente são. Quando nos fazemos esta pergunta, nos projetamos num abismo sem respostas. É inevitável que procuremos pateticamente esta alavanca fora de nós?
Comentários
Quer dizer, por um lado confiamos na aplicação de um critério quando julgamos vidas alheias, porém desconfiamos deste critério ao julgarmos a nossa. Desconfiamos do critério em si ou da aplicação que fazemos dele?
No teu texto me parece que você identifica o problema no fato de que não conseguimos confiar no critério quando aplicamos ele em nossas próprias vidas, contudo, o que nos impede de desconfiar do critério em si?
Isto é, em que se funda a ideia de que devemos prezar pela impessoalidade (por poder julgar nossas vidas com a mesma correção com que julgamos a vida alheia) e, assim, talvez sacrificar a possibilidade de certeza em um julgamento interno?
Será que não sacrificamos apenas a possibilidade de uma crença 'racional' na resposta de nosso julgamento interno (sobre a vida pessoal)? Ou será que não faz sentido falar em racionalidade neste contexto?
Abraço.
Legal teu poste. Concordo contigo. Do ponto de vista da primeira pessoa, acho que o valor é constitutivo da felicidade. Não existe vida feliz que seja sem valor.
Quanto à determinação do valor da vida, acho que determinamos com outros (não sei se existe objetividade). De toda maneira, dizer que uma vida é valiosa ou tem valor é similar a dizer que ela é significativa, que não foi vivida em vão. Se for isso, talvez uma saída para determinar o valor de uma vida não deva ser buscada na na noção carregada de "vida significativa ou valiosa", mas na noção mais pedestre de pessoa feliz, de pessoa que teve uma vida significativa. Assim, se aquelas qualidades (que reconhecemos nos outros)estiverem em nós, é por que nossa vida também foi ou é significativa ou valiosa e feliz.
A desconfiança que temos (?) é quanto a qual é o critério para uma vida louvável de ser vivida. Externamente, consigo apontar uma vida em que um sujeito pensa ter este critério, ele julga que a sua vida é louvável, mas, aos meus olhos, ela não é. A minha situação também é dramática por pensar que ela pode ser muito semelhante a dele, muito embora possa não parecer. Isto é, há uma forte tentação em, na primeira pessoa, a fazer a cisão entre parecer-me que a minha vida é louvável de ser vivida e ela ser realmente louvável de ser vivida.
Não disse que o critério tem de ser impessoal, não criado, não forjado, mas há uma certa tentação/tendência em favor da transcendência do critério.
Um abraço.
Mas uma vida feliz é necessariamente significativa? Ou quis dizer que, se tivemos uma vida significativa, então ela foi feliz? Concordo que temos de aprender a ficar apenas com os critérios ou valores pedestres.
abraço,
Eros.
Abraço e feliz natal!