Dois textos excelentes para nos ajudar a pensar no futuro da filosofia e nas suas relações com as demais disciplinas do conhecimento: Williams, B. Philosophy as Humanistic Discipline e Hintikka, J. Philosophical Research: Problems and Proposals.
O texto do Bernard Williams bate duro no que ele chama de cientismo, a ideia de que a filosofia tem os mesmos objetivos da ciência e deve assimilar o modo de operar desta última, não só metodologicamente, mas também no gênero e estilo discursivo. A filosofia, neste caso, torna-se uma disciplina Frankenstein. Sem o aparato experimental da ciência, suas conjecturas tomam a forma de observações programáticas que poderiam ser desenvolvidos pelas ciências empíricas. O cientista também faz isso nas suas falas informais, mas ele tem como fundamento para estas observações a sua prática diária. Já o filósofo parece, neste terreno, mais com um diletante. Que interesse terá para o cientista as observações programáticas de um filósofo que tem conhecimento apenas dos contornos mais gerais da atividade científica? Evidentemente, Williams não está a combater pesquisas filosóficas que mantém relações muito estreitas com ciências particulares, como a filosofia da matemática e da física quântica; mas não podemos confundir os objetivos mais fundamentais da filosofia com os da ciência sem descaracterizar ambas.
Para Williams, compete muito mais à filosofia tentar dar o melhor sentido de nossas vidas e das nossas atividades intelectuais. Neste ponto, ele me parece bem socrático, embora numa perspectiva mais global, cultural. Enquanto, para Sócrates, o ponto de partida era o autoconhecimento de si, a autorreflexão sobre si; para Williams, o ponto de partida é o autoconhecimento da nossa perspectiva local, a autorreflexão sobre a estrutura de pensamento que compartilhamos. Neste horizonte, ele chama a atenção para uma falácia muito comum: se a filosofia não pode nos dar uma descrição absoluta, isenta de perspectiva, da nossa própria situação, pois, vamos supor, se tal descrição fosse possível, ela seria da alçada da ciência, então o que a filosofia tem a nos oferecer, de qualquer modo, não é muito importante. Ora, não há, em princípio, razão para pensar que a descrição absoluta seja mais importante que a descrição local. Sinto em Williams a mesma urgência encontrada em Nietzsche de pensar os assuntos humanos, em especial a moral, numa perspectiva contingente. A história, vale mencionar, tem um papel fundamental, segundo Williams, na tarefa da filosofia de dar o melhor sentido de nossas vidas e atividades intelectuais.
As ponderações de Hintikka caminham um pouco para uma outra direção, que não é, contudo, oposta a de Williams; em todo caso, elas são, ao meu ver, igualmente valiosas. Muitas de suas críticas às várias tradições filosóficas contemporâneas, fenomenologia, hermenêutica e mesmo à filosofia analítica, nos forçam a perceber a necessidade de estar sempre refletindo sobre as nossas ferramentas intelectuais, de maximizar tanto quanto possível a clareza do nosso discurso. Esta necessidade não cessa, e o filósofo, caso se apoie em alguma intuição, o deve fazer apenas provisoriamente, substituindo-a por exlicações e elaborações ulteriores sobre o próprio discurso. A necessidade de buscar incessantemente melhorar as nossas ferramentas intelectuais vê-se refletida no diagnóstico de Hintikka sobre a falência do programa do empirismo lógico. Os empiristas lógicos falharam em clarear os problemas conceituais do discurso científico através do estudo da sua sintaxe lógica. Mas desta falha não podemos inferir que o programa estava todo equivocado. O que podemos e devemos inferir é que as ferramentas lógicas e a noção de lógica utilizadas pelos empiristas lógicos eram insuficientes, carecendo de elaboração e refino.
Hintikka mostra-se um pouco desolado com a fragmentação da pesquisa filosófica, a falta de colaboração e de diálogo entre diferentes tradições. Ele vê isso como um sintoma do relativismo. Toleramos uns aos outros de modo apático, como se não tivéssemos qualquer crença na verdade da nossa perspectiva, como se não nos importasse ou preocupasse mais a verdade de qualquer perspectiva. Tolerância não deveria implicar a não-combatividade entre ideias. Por duas vezes ele cita as palavras do próprio Husserl que acentuam a importância do fenomenismo positivista de Ernst March para o desenvolvimento da sua perspectiva fenomenológica. As tradições, por mais opostas que sejam, não avançam sem o franco diálogo e combate de ideias. Esta é uma perspectiva que não podemos perder de vista. Do contrário, ficamos fadados à apatia intelectual relativista: cada qual fica meramente a contemplar ideias que o encantam, o maravilham, mas que não o levam a crer na sua verdade e muito menos a trabalhar para clarear e defender a sua verdade.
Hintikka favorece francamente o uso de ferramentas lógicas no tratamento de questões filosóficas; sugere, aliás, que algumas ideias fundamentais da fenomenologia e da hermenêutica poderiam ser elucidadas por estes expedientes. Mas qualquer ferramenta que nos auxilie a atender o desideratum da clareza é bem-vinda. Não me parece que ele colocaria restrições a este respeito. Aqui Hintikka parece estar de acordo com a demanda de Williams: é central para a filosofia procurar entender e dar sentido as nossas atividades intelectuais, embora ambos percorram caminhos diferentes para atender esta demanda. Por enfatizar mais a parte do 'entender' do que a do 'dar sentido', Hintikka favorece bem mais as ferramentas lógicas e bem menos as históricas na atividade filosófica.
O texto do Bernard Williams bate duro no que ele chama de cientismo, a ideia de que a filosofia tem os mesmos objetivos da ciência e deve assimilar o modo de operar desta última, não só metodologicamente, mas também no gênero e estilo discursivo. A filosofia, neste caso, torna-se uma disciplina Frankenstein. Sem o aparato experimental da ciência, suas conjecturas tomam a forma de observações programáticas que poderiam ser desenvolvidos pelas ciências empíricas. O cientista também faz isso nas suas falas informais, mas ele tem como fundamento para estas observações a sua prática diária. Já o filósofo parece, neste terreno, mais com um diletante. Que interesse terá para o cientista as observações programáticas de um filósofo que tem conhecimento apenas dos contornos mais gerais da atividade científica? Evidentemente, Williams não está a combater pesquisas filosóficas que mantém relações muito estreitas com ciências particulares, como a filosofia da matemática e da física quântica; mas não podemos confundir os objetivos mais fundamentais da filosofia com os da ciência sem descaracterizar ambas.
Para Williams, compete muito mais à filosofia tentar dar o melhor sentido de nossas vidas e das nossas atividades intelectuais. Neste ponto, ele me parece bem socrático, embora numa perspectiva mais global, cultural. Enquanto, para Sócrates, o ponto de partida era o autoconhecimento de si, a autorreflexão sobre si; para Williams, o ponto de partida é o autoconhecimento da nossa perspectiva local, a autorreflexão sobre a estrutura de pensamento que compartilhamos. Neste horizonte, ele chama a atenção para uma falácia muito comum: se a filosofia não pode nos dar uma descrição absoluta, isenta de perspectiva, da nossa própria situação, pois, vamos supor, se tal descrição fosse possível, ela seria da alçada da ciência, então o que a filosofia tem a nos oferecer, de qualquer modo, não é muito importante. Ora, não há, em princípio, razão para pensar que a descrição absoluta seja mais importante que a descrição local. Sinto em Williams a mesma urgência encontrada em Nietzsche de pensar os assuntos humanos, em especial a moral, numa perspectiva contingente. A história, vale mencionar, tem um papel fundamental, segundo Williams, na tarefa da filosofia de dar o melhor sentido de nossas vidas e atividades intelectuais.
As ponderações de Hintikka caminham um pouco para uma outra direção, que não é, contudo, oposta a de Williams; em todo caso, elas são, ao meu ver, igualmente valiosas. Muitas de suas críticas às várias tradições filosóficas contemporâneas, fenomenologia, hermenêutica e mesmo à filosofia analítica, nos forçam a perceber a necessidade de estar sempre refletindo sobre as nossas ferramentas intelectuais, de maximizar tanto quanto possível a clareza do nosso discurso. Esta necessidade não cessa, e o filósofo, caso se apoie em alguma intuição, o deve fazer apenas provisoriamente, substituindo-a por exlicações e elaborações ulteriores sobre o próprio discurso. A necessidade de buscar incessantemente melhorar as nossas ferramentas intelectuais vê-se refletida no diagnóstico de Hintikka sobre a falência do programa do empirismo lógico. Os empiristas lógicos falharam em clarear os problemas conceituais do discurso científico através do estudo da sua sintaxe lógica. Mas desta falha não podemos inferir que o programa estava todo equivocado. O que podemos e devemos inferir é que as ferramentas lógicas e a noção de lógica utilizadas pelos empiristas lógicos eram insuficientes, carecendo de elaboração e refino.
Hintikka mostra-se um pouco desolado com a fragmentação da pesquisa filosófica, a falta de colaboração e de diálogo entre diferentes tradições. Ele vê isso como um sintoma do relativismo. Toleramos uns aos outros de modo apático, como se não tivéssemos qualquer crença na verdade da nossa perspectiva, como se não nos importasse ou preocupasse mais a verdade de qualquer perspectiva. Tolerância não deveria implicar a não-combatividade entre ideias. Por duas vezes ele cita as palavras do próprio Husserl que acentuam a importância do fenomenismo positivista de Ernst March para o desenvolvimento da sua perspectiva fenomenológica. As tradições, por mais opostas que sejam, não avançam sem o franco diálogo e combate de ideias. Esta é uma perspectiva que não podemos perder de vista. Do contrário, ficamos fadados à apatia intelectual relativista: cada qual fica meramente a contemplar ideias que o encantam, o maravilham, mas que não o levam a crer na sua verdade e muito menos a trabalhar para clarear e defender a sua verdade.
Hintikka favorece francamente o uso de ferramentas lógicas no tratamento de questões filosóficas; sugere, aliás, que algumas ideias fundamentais da fenomenologia e da hermenêutica poderiam ser elucidadas por estes expedientes. Mas qualquer ferramenta que nos auxilie a atender o desideratum da clareza é bem-vinda. Não me parece que ele colocaria restrições a este respeito. Aqui Hintikka parece estar de acordo com a demanda de Williams: é central para a filosofia procurar entender e dar sentido as nossas atividades intelectuais, embora ambos percorram caminhos diferentes para atender esta demanda. Por enfatizar mais a parte do 'entender' do que a do 'dar sentido', Hintikka favorece bem mais as ferramentas lógicas e bem menos as históricas na atividade filosófica.
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