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[191] Crença, um bem comum


Quando respeitamos o intelecto dos outros e o nosso próprio, discutimos as crenças dos outros e colocamos as nossas em discussão, é simples. Pensar que respeitar a crença do outro (ou a sua própria) implica em jamais discuti-la parece presumir que o "intelecto" não tem qualquer interesse pela verdade ou talvez que a verdade seja completamente uma função das suas crenças. Ambas as alternativas não são muito plausíveis. Evidente que não somos apenas intelecto, nem que a verdade seja o nosso único interesse. Não temos de ser chatos conosco ou com os outros na discussão das crenças. A discussão cabe em alguns lugares e em alguns momentos. Nem tem de ser gratuita; acerca de alguns tópicos, pode ser que ela demande motivação. As crenças apenas não estão absolutamente imunes à discussão, como se tivéssemos com elas uma mera relação de propriedade, “são minhas e ninguém tem nada a ver com isso”. Não é bem assim se você tem alguma vida em comum e não é bem assim se você tem algum interesse pela verdade objetiva. Por fim, o que talvez alguém queira razoavelmente dizer ao afirmar: “respeite a minha opinião” é: “respeite a finitude do meu intelecto, dê-me tempo para pensar etc”. Por várias razões, a justa resposta à discussão não tem de ser pronta e imediata. Não tem mesmo.

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