É verdade que o indivíduo pode se enganar quanto a quais são os seus reais interesses. E se ele pode se enganar a esse respeito, ele pode tomar decisões que não sejam as melhores para ele. Mas também é preciso tomar muito cuidado quando se pretende dizer que uma pessoa ou toda uma classe de pessoas está enganada quanto aos seus reais interesses. Derrotados em eleições às vezes assumem essa posição quando criticam o voto de alguém ou de toda uma classe de pessoas. Se o crítico não tem uma concepção forte de natureza humana que já envolva o comprometimento com uma série de valores fundamentais, então ele terá de enfrentar uma dificuldade interpretativa que nem sempre é fácil de vencer: para saber se um indivíduo se engana em relação aos seus reais interesses é preciso saber quais valores esse indivíduo tem e que hierarquia esse indivíduo sustenta entre esses valores. Como muitos desses valores e mesmo as relações entre eles são latentes e se apresentam mais em atitudes do que em verbalizações e declarações do indivíduo, a tarefa de trazê-los para a superfície é complexa e exige um conhecimento não-estereotipado e não-superficial do indivíduo. Qualquer resultado na conclusão dessa tarefa, como em qualquer interpretação, deve ser tomado com muita cautela e prudência. Mas suponha que o crítico tenha uma concepção forte da natureza humana, a qual envolve um conjunto preciso de interesses que todo humano deve ter. Nesse caso, para criticar uma escolha do indivíduo, ele não precisa interpretar esse indivíduo e conhecer os valores com os quais esses indivíduo está efetivamente comprometido. Basta que ele mostre que essa escolha vai de encontro aos valores que estão embutidos na sua concepção de natureza humana. A crítica aqui consiste em dizer que o indivíduo, no final das contas, falha em perseguir a sua humanidade. Agora, se entre os valores embutidos na concepção de natureza humana defendida pelo crítico estão valores democráticos, como o da autonomia -e parece que o crítico precisa assumir esse valor se ele está criticando o voto de alguém, de outro modo ele deveria criticar não o voto, mas a instituição do voto-, então novamente o crítico precisa cuidar para apresentar a sua crítica com cautela e prudência, pois ele não pode esperar que os criticados tenham de acatar a sua concepção de natureza humana e todos os valores que ela eventualmente envolva. Cabe a ele, o crítico, se respeita a autonomia dos criticados, convencê-los da sua concepção da natureza humana. Numa democracia, a atitude falibilista parece ser um imperativo.
Há um outro tipo de
crítica que diz respeito não aos reais interesses do indivíduo,
mas quanto aos meios para a satisfação desses interesses. Também é
verdade que o indivíduo pode ter crenças bastante equivocadas sobre
quais meios satisfazem melhor os seus interesses, e o seu voto pode
falhar em atender os seus interesses. Essa é uma discussão menos
inflamada, valores não estão em discussão, mas sim a eficácia dos
meios. Ainda assim é necessária uma atenção muito aguda para a
experimentação e a observação, e para a ciência em geral.
Prudência e cautela, mais uma vez, são necessárias e imperativas.
É muito ruim para a
democracia que tenhamos nos tornados anti-intelectualistas tenazes,
que tenhamos resolvido rejeitar a ciência, o conhecimento, a filosofia etc. Mas o
remédio para isso não passa for “forçar” conhecimento, o que,
de qualquer modo, não se pode mesmo fazer.
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