Pedro tem evidência de
que Marcos é culpado de um crime, pois uma testemunha ocular narrou
para Pedro como Marcos cometeu um crime. No entanto, Pedro veio a crer
que Marcos é culpado de um crime porque tem um ódio irracional e muito intenso de
Marcos. Por causa desse ódio, Pedro acaba buscando se convencer, por algum processo de racionalização, de
que Marcos é uma pessoa má e criminosa. Bastou ver Marcos apressado, com cara de
culpado, para que Pedro se convencesse de que Marcos é culpado de
algum crime. Pedro tem evidência de que Marcos é culpado de um
crime, mas Pedro não crê que Marcos é culpado de um crime com base
nessa evidência. Ele desconfia tanto das pessoas que negligencia o
relato da testemunha ocular. Ele crê que Marcos é culpado de um
crime com base em motivos que nada têm a ver com a verdade da sua
crença e, por isso, não a justificam. Na linguagem dos
epistemólogos, Pedro tem justificação proposicional para a crença
de que Marcos é culpado de um crime, pois ouviu o relato da
testemunha ocular, mas não tem justificação doxástica, pois sua
crença não foi baseada na evidência que ele tem para essa crença[1].
Pode parecer que não há nada de ruim em crer sem se basear na
evidência que se possui, já que a evidência que torna verdadeira
ou provável a crença está disponível de qualquer modo. Contudo,
de um ponto de vista cognitivo, é ruim que um sujeito acredite em
uma proposição para a qual ele tem evidência sem se basear nessa
evidência, pois esse sujeito acreditaria nessa proposição mesmo
que ele não tivesse essa evidência. Pedro acreditaria que Marcos é
culpado de algum crime ainda que não tivesse ouvido o relato da
testemunha ocular, pois o processo de racionalização a partir do
seu ódio ocorreria igualmente. Contudo, se Pedro acreditasse que
Marcos é culpado de cometer um crime apenas com base na evidência disponível relevante e adequada, então na
ausência dessa evidência, Pedro não
acreditaria que Marcos é culpado de cometer um crime. Assim, como
Pedro não acredita que Marcos é culpado de cometer um crime com
base na evidência disponível, ele assume o risco de crer sem ter a
evidência adequada. A evidência que ele possui é frágil, muito
facilmente ele poderia não tê-la, por exemplo, se não encontra a
testemunha ocular, ou se ela não conta o episódio que testemunhou
etc. Ao correr esse risco, por não crer com base na evidência
disponível, Pedro afasta-se da possibilidade de obter conhecimento,
ele não realiza nenhuma conquista cognitiva que possa ser um caso de
conhecimento. Essa diferença fundamenta por que não basta ter
evidência para acreditar em algo, é essencial também que se creia
nesse algo com base na evidência disponível.
Essa distinção pode iluminar situações da vida cotidiana. Suponha que um um juiz não
tenha clareza acerca do que é boa razão para o que e introduza em
um processo, como evidência probatória, trechos bíblicos que nada
têm a ver com a sentença que ele pretende sustentar. O risco que
ele assume de formar a sua convicção sem ter a evidência adequada
é incompatível com a função que exerce, ainda que, no processo em
questão, houvesse evidência adequada citada. Espera-se de um juiz
(e não só dele, claro) que ele tenha justificação doxástica para
as suas convicções, e não apenas justificação proposicional,
isto é, que ele não apenas tenha evidência para a sua convicção,
mas que tenha se baseado exclusivamente nessa evidência ao formar a sua convicção.
[1] Veja Bondy, Patrick, e Pritchard, Duncan, “Propositional
epistemic luck, epistemic risk, and epistemic justification”,
para uma discussão mais detalhada e técnica da distinção entre
ter evidência e crer com base na evidência e da importância
epistêmica de se crer com base na evidência.
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