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Quando alguém diz algo, duas coisas, no mínimo, estão envolvidas: aquilo que foi dito e o ato de dizer algo. Em se tratando de asserções, o que foi dito, supondo a bivalência, é verdadeiro ou falso. O ato de dizer não é verdadeiro, nem falso, é uma ação e, como tal, produz um efeito sobre o interlocutor. Ter ciência desse efeito tem relevância prática para a boa condução de uma discussão. Dizer para o seu interlocutor que ele é burro, quando de fato ele é burro, o que geralmente pode ser contestado, haja visto a vagueza deste predicado, pode ser uma constatação, se for verdade, mas é uma constatação que evoca reações que minam o debate. Em geral, só um tolo vai chamar outro de burro em um debate.

Comentários

Oi, Eros

neste caso o "ato de dizer algo" deveria ter sido suprimido em sua ação, segundo teu raciocínio. Quando se suprime aquilo que se ia dizer temos então mais um algo envolvido, como chamaria a isto sem que o nomeasse como "pensamento"?
beijo beijo
Eros disse…
Acho que não entendi. O ato de dizer algo não pode ser suprimido da ação, pois ele é a própria ação.

Diria que o pensamento é o algo que eu posso ou não dizer. Posso suprimir a ação de dizer algo, mas se suprimir esse algo, não me parece que irá restar alguma coisa. Um pensamento vazio sem conteúdo?

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